Algumas lembranças sobre Argentino Luna
No flagrante acima
o espetáculo Canto Sem Fronteira, no antigo Teatro da Ospa. Na frente,
Argentino Luna e Jayme Caetano Braun. Ao fundo, da esquerda para a direita,
José Claudio Machado, Glênio Fagundes, Enio Rodrigues, Paulo de Freitas
Mendonça, Gilberto Monteiro, Cenair Maicá e Dante Ramon Ledesma.
O amigo Léo
Ribeiro me instigou a escrever um artigo sobre alguns fatos da minha convivência
com Argentino Luna. É um desafio, mas como eu agradeço diariamente a Deus pelos
amigos que Ele tem me dado ao redor do mundo e sou daqueles que sente saudade,
haja vista que a maioria não encontro no dia a dia, resolvi atender ao seu
pedido de amigo, até porque neste final de semana que passou, houve uma série
de postagens nas redes sociais e sites sobre os cinco anos do desencarne de
Rodolfo Gimenez, o Argentino Luna. Este foi um dos irmãos que, embora nos
encontrássemos muito esporadicamente, nos considerávamos e a cada vez que
nossos caminhos se cruzavam, gozávamos de momentos divertidos e
compartilhávamos nossas experiências de andejos.
O “Negro Luna” e
eu nos conhecemos pessoalmente no início da década de 80 do século passado,
quando ele veio ao Rio Grande do Sul para participar de um espetáculo que eu
era apresentador e contribuía na organização, o Canto Sem Fronteira, evento que
aconteceu por quatro anos no Teatro da Ospa, em Porto Alegre e era promovido
pelo Grupo Nativista Vento Minuano, com patrocínio da Polisul, empresa de
segunda geração do Polo Petroquímico. Fui encarregado de ser o anfitrião de
Luna e convivemos durante a semana que ele esteve na capital gaúcha. Pensei que
ele se reservaria no hotel como a maioria dos famosos faz, mas na primeira
manhã de sua estada aqui, nem bem eu havia chegado ao meu escritório ele entrou
porta adentro com um pacote de erva-mate e um disco (LP) e cevamos o primeiro
mate de muitos que tomamos naqueles dias. Presenteou-me com um disco de José
Curbelo, Roberto Ayrala e Miguel Franco, autografado pelo primeiro, que depois
veio a ser meu parceiro de pajadas, gravações, andanças pelo mundo, mates e
boas gargalhadas. Convivemos e conversamos bastante naqueles dias, Luna e eu, porém
um dia antes do espetáculo fizemos um churrasco com o elenco do show, então tive
o privilégio de apresentá-lo a Jayme Caetano Braun e Braun a ele. Digo assim,
desta forma estranha, porque ambos eram fãs um do outro, mas não se conheciam.
Quando o recepcionei no aeroporto, a primeira pergunta que me fez foi a de que
se Braun estaria no espetáculo. Então, me informou queria conhecê-lo. E depois
veio expressar esta vontade quando ambos improvisaram no palco do Teatro da
Ospa: “yo lo queria encontrar / ya lo encontré compañero”/. Também o apresentei
a Cenair Maicá, Glênio Fagundes, José Claudio Machado, Gilberto Monteiro e
Dante Ledesma, entre outros que faziam parte daquele elenco e aos organizadores
do evento. Depois disso, nossos caminhos se cruzaram algumas vezes e o nosso
próximo encontro no Brasil foi, no início da década de 90, no Te-Déun de
Pajadores da América Latina, em Passo Fundo, quando entre mates, me regalou um
pala vermelho que usei até o ano passado quando alguma mão amiga do alheio me
subtraiu a peça de grande estima. Luna foi contratado pelo Grupo Chamamento do
Pampa para atuar com o pajador uruguaio Gustavo Guichón naquela ocasião. Também
participavam do evento, Jayme Caetano Braun e Glênio Fagundes, já seus conhecidos,
e Arabi Rodrigues que pajou comigo. Para o bem da verdade, esclareço que Luna
não era conhecido como pajador na Argentina e já existe até em livro aqui no
Brasil, equivocadamente, que seria um dos maiores representantes do canto
pajadoril argentino. Como a maioria dos cantores crioulos, especialmente os
sureños, ele conhecia bem a décima, escrevia também em espinela, tocava bem a
guitarra e cantava bem as milongas. Por isso, se dispôs a improvisar aqui no
Rio Grande do Sul. Pajou duas vezes em público que se tem notícia. As duas, no
Brasil, com Braun no início da década de 80, em Porto Alegre e com Guichón, no
início da década de 90, em Passo Fundo.
Foi sim, consagrado como cantor, compositor, poeta e guitarreiro sureño.
Tanto que, em 2009, quando Luna apresentou ao público do Festival de Cosquin, o
jovem pajador da cidade de Rojas, Nicolás Membriani, soltou esta décima, aqui
traduzida por mim:
“Se eu fosse
pajador
tu sabes que eu
não sou,
mas irmão onde
estou
vou cobrando
este valor.
Tão somente sou
cantor
porque este
cantar alaga,
é fogo que não
se apaga
meu irmão, se
não te “enojas”
você tem
lembrado “Rojas”
e eu lembro
Madariaga.”
Ressalto que ele
não era considerado e nem se considerava pajador, sem demérito algum a
Argentino Luna, porque em reconhecimento, ele estava acima dos pajadores de seu
país, em seu tempo. Tanto que, por exemplo, no 29º Encontro Santosvegano de
Payadores de San Clemente de Tuyu, na Argentina, em 2010, quando nos
encontramos por última vez, havia um grupo dos principais pajadores do Mercosul
e o espetáculo especial (“actuación estelar”, como dizem lá) era de Argentino
Luna, que brilhou com sua guitarra e sua voz inconfundível. Também lembro que,
em 2002, quando recebemos o Troféu Condor de Fuego, em Magdalena, na Província de Buenos Aires, Argentina,
ele como cantor e eu como pajador, Luna foi anunciado e o público que lotava o
teatro cantou à capela uma das suas canções enquanto ele se deslocava do seu
lugar até o palco: “Mire que es lindo mi país paisano, si usted lo vea como yo
lo vi...”
Era consagrado
como poeta, cantor guitarreiro e compositor. Dentre seus sucessos destacam-se
"Zamba Para Decir Adiós" (que foi traduzida e gravada por Cenair
Maicá), "Mire Qué Lindo Es Mi País Paisano", "Pero El Poncho No
Aparece", “Uno Nunca Entiende”, "Ando Por La Huella",
"Capitán De La Espiga", y "Hoy Función Guitarra y Canto",
entre tantos outros, inclusive “Tres Gauchos” em parceria com Jayme Caetano Braun,
que alguns andam confundindo aqui no Rio Grande do Sul, pela mesma temática, com
Milonga de Tres Banderas, que é de Braun e Noel Guarany.
Argentino Luna,
conhecido entre os mais íntimos como “Negro Luna” (não era um pseudônimo e sim
um apelido íntimo) era um cantor guitarreiro com estilo pajadoresco, admirador
e apoiador dos pajadores, mas não o era, não por falta de competência e sim por
autocrítica exacerbada. É um dos nomes imortais da música argentina e
latino-americana que, para meu privilégio, me deu a honra de alguns mates, de
boas prosas e um dia me regalou um disco de Curbelo, hoje meu irmão de arte, e
noutro, um pala, que por ironia do destino “el poncho no aparece”, como diz uma
de suas lindas canções.
Sinto saudades
do Negro Luna e no ano 2015 aconteceu um fato interessante que relato pra
finalizar este resumo de lembranças. Estávamos numa turnê de pajadores pela
província de Buenos Aires e fomos convidados para o almoço de aniversário do ex-goleiro
Pato Fillol, na cidade de San Miguel del Monte, na qual atuaríamos à noite.
Para minha surpresa, quando chegamos à residência, era a casa de Argentino Luna,
que fora comprada por Fillol. Por eu não acreditar em acaso ou coincidência,
mais uma vez agradeci a Deus pelas amizades que me permite ter e que,
independente de suas nacionalidades, argentina como as de Luna e de Fillol,
uruguaia como a de Curbelo,
ou brasileira, como a de Leo
Ribeiro, estão interligadas pelo plano espiritual e nos induzem a acreditar na maior
razão da vida, a irmandade.
Paulo de Freitas Mendonça – Jornalista e
pajador