Fragmentos do texto de Walter Spalding sobre Gaspar Silveira Martins, líder Maragato da Revolução de 1893, que morreu num dia 23 de julho, do ano de 1901.
O Correio do Povo de 25 de julho de 1901 estampava, em destaque a seguinte notícia: -"Tivemos ontem, pelo telégrafo, a triste notícia do falecimento, em Montevidéu, do Dr. Gaspar Silveira Martins. O patrício ilustre, cuja morte o Rio Grande deplora, tem o seu nome vinculado de modo imperecível à história do nosso Estado, que ele muito amou e por cujo progresso moral e material, muito se esforçou. O Rio Grande do Sul chora a morte de Silveira Martins que, com justa razão, figurará na galeria dos nossos varões ilustres como um grande patriota. A notícia da sua morte, espalhou-se ontem rapidamente pela Capital e, desde logo, os escritórios dos jornais foram procurados por grande número de pessoas que, pesarosas, pediam informações a respeito. O Dr. Gaspar Silveira Martins devia completar no dia 5 de agosto próximo, 66 anos de idade".
Silveira Martins estava, ainda, no exílio em Montevidéu, apesar da paz de 1895, assinada em Pelotas, pondo fim à Revolução Federalista de que fora o chefe civil.Sua morte, ocorrida a 23 de Julho, treze dias antes de completar 66 anos de idade, em verdade muito abalou o mundo político brasileiro, principalmente o ligado ao federalismo, e sobremodo escandalizou a sociedade em virtude da situação em que se dera o falecimento do grande tribuno.
Só, longe do lar, vivendo em hotel na capital uruguaia, homem fogoso, bastante dado a mulheres, jamais se negou aos prazeres da carne de que ele usava e abusava e foi por isso que sua morte, ao lado de uma dessas vivandeiras, à meia tarde, escandalizou, lamentando-se, porém, tenha sido esse o fim do tribuno que fazia temer o adversário desde a sua juventude, quando subiu pela primeira vez à tribuna parlamentar, ou quando, em 1869, proferiu aquela sua conferência clássica sobre o Radicalismo, abalando consciências e arrastando multidões.
Era, na realidade, um fim muito triste, esse do ex-Ministro da Fazenda do Gabinete de 5 de janeiro de 1878, desse Ministro que havia proposto o voto aos acatólicos, exigindo reforma da Constituição, e que por não ser atendido, rompeu, não apenas com o Presidente do Conselho Cansansão de Sinimbu, mas com seu próprio companheiro Ministro da Guerra, senador Marquês do Erval.
Entretanto, esse final melancólico da grande vida em nada afetaria as suas idéias, as suas atividades de patriota e progressista que jamais recuou e jamais vergou diante de potentados. Foi um homem de pensamento, como poucos tem tido o Brasil nestes seus quase quinhentos anos de História, no terreno político principalmente. E nem mesmo atingiu a integridade do homem que foi, durante sua vida, exemplo de dignidade, de dedicação, de honradez de homem público, líder inconteste do liberalismo brasileiro a partir do dia em que se apresentou na vida política da Nação. Iniciando-se na política, logo após sua formatura na Faculdade de Direito de São Paulo, em 1855, contando, pois, 21 anos de idade Gaspar Silveira Martins foi subindo, à custa de sua inteligência, de seu talento, de sua cultura. Degrau por degrau, chegou a Ministro, em 1878, com apenas 44 anos.
Gaspar Silveira Martins nasceu em Cerro Largo, República Oriental do Uruguai, a 5 de agosto de 1834, na estância avoenga, sendo batizado a 5 de março de 1835.
Aos 34 anos, em 1868, começou a sua grande ascensão. Diz-nos Joaquim Nabuco (Um Estadista do Império, p. 122 e segs.): "Já sob o ministério Itaboraí, podia-se distinguir a separação entre os liberais, a faixa radical. Um homem novo começava a aparecer na política, e revelava, desde seus primeiros atos, uma independência, uma força, uma audácia, como de certo ainda não se tinha visto, batendo as suas portas em nome de um direito até então desconhecido: o do povo. Era Silveira Martins. A figura do tribuno, como depois a do parlamentar, era talhada em formas colorsais; não havia nele nada de gracioso, de modesto, de humilde, de pequeno; tudo era vasto, largo, soberbo, dominador. Na cadeira de juiz, fazendo frente ao ministro da justiça; nas palestras literárias, pronunciando-se sobre as velhas raízes arianas; nas conferências públicas, fazendo reboar pelas cavernas populares o eco interminável de sua palavra; nos conselhos do partido democrático, falando aos chefes tradicionais, aos homens do passado, com a consciência e a autoridade de um conquistador bárbaro, ditando a lei à civilização decrépita, indefesa em sua tranquilidade imemorial; nas redações dos jornais amigos, nas confeitarias da Rua do Ouvidor, onde durante anos exerceu entre os moços e os exaltados a ditadura da eloqüência e da coragem, como Gambetta, durante o Império, nos cafés do Quartier Latin; nas rodas de amigos políticos, como Martinho de Campos, Otaviano, Teófilo Ottoni; depois, na Câmara dos deputados, onde sua entrada (legislatura de 1872-1875) assinala uma época e faz o efeito de um terremoto; no ministério, onde, incapaz de representar segundos papéis, mas sem preparação, talvez, suficiente para tratar negócios, só teve uma ambição: ganhar com a saída o que perdera com a entrada, e por isso ainda mais, como ministro demissionário do que como membro do Gabinete; por último no Senado, na independência, na soberba, com que, operada a sua transformação conservadora, atrai para si todos os rancores da democracia, que talvez tenha criado: em todas as posições, que se abateram diante dele para que ele entrasse sem subir, em todos os papéis que desempenhou, Silveira Martins foi sempre único, dilerente de todos os mais; possante e sólido, súbito e irresistivel, natural e insensível, como uma tromba ou um ciclone". (... ) "É o Sansão do Império. Desde logo é preciso contar com ele, que é, nesse momento, o que em política se chama povo, isto é, as pequenas parcelas de povo que se ocupam de politica".
Aí está o retrato do grande Gaspar Silveira Martins, o tribuno máximo do Brasil Império, que entraria pela República, coerente com seus princípios, combatendo oligarquias e ditaduras, exigindo liberdades e direitos que se vinham conculcando, no Rio Grande do Sul, através de leis, de conchaves e de ordens subterrâneas, num desrespeito integral à dignidade humana do adversário. Nasceu dai a Revolução, revolução que ele, Gaspar Martins, não queria, mas teve que aceitar porque o povo, aquele mesmo povo que ele conduziu e educou nos princípios da liberdade e do radicalismo que sempre pregou, o quis e o obrigou a presidir, como chefe civil.
E ele, que jamais cedia, mas procurava sempre harmonizar, desde que beneficiasse ao povo e à Pátria, foi obrigado a assistir à hecatombe terrível que foi a violenta carnificina humana daquela revolução que se fez contra sua vontade, a de 1893-95, e que, finalmente, conseguiu paralisar após lutas e mais lutas diplomáticas, até conseguir um mediador capaz de compreender a situação, compreender o povo, e firmar a paz.
Mas não foi possível evitar a luta. As provocações foram excessivas e Joca Tavares com Gumercindo Saraiva, invadiram o Rio Grande do Sul pensando calarem de imediato as diatribes e arbitrariedades que campeavam pelo Estado, ordenadas, provocadas, consentidas pelo governo de Castilhos. E,Gaspar Martins não teve outro remédio: aceitar a revolução que não queria, que jamais quis. Paulo José Pires Brandão, neto materno e afilhado do Conselheiro Antonio Ferreira Viana, conheceu Silveira Martins em casa do avô. Em seu livro Vultos do MeuCaminho, assim descreve o imortal conselheiro: "Alto, corpulento, grandes óculos, barba toda aberta e branca, pele muito vermelha. Voz de trovão, gesto largo, não sabia falar baixo, e mesmo quando palestrava era em tom de discurso, e a sua voz clara, sonora e forte invadia a sala onde estava, os corredores, o hall, a casa inteira, atravessando a rua. Não falava ao ouvido de ninguém, não dizia segredos, nem os tinha, mesmo porque a sua voz não dava diapasão para sussurros, não murmurava: tonitroava".
Com a Proclamação da República, estando Gaspar Martins na Presidência do Rio Grande do Sul, foi preso e deportado.
Pouco antes do 15 de novembro de 1889, fora Gaspar chamado à Corte para formar novo Ministério, com intenções de evitar a queda fatal. Foi tarde, porém. Ao chegar no porto de Desterro (depois Florianópolis), já a República havia sido proclamada e Gaspar Martins aprisionado. Seguiu para a Europa.
Lá o encontrou Pires Brandão, que viajava com o avô, também deportado. E conta que, ao atravessar o Canal da Mancha, encontra a bordo o diplomata e jornalista francês Tachard, a quem foi apresentado. Diz Pires Brandão: "Falou Silveira Martins toda a travessia. Ao desembarcar na Inglaterra, disse Tachard a meu avô: Não há no mundo governo e instituições que possam resistir a um homem como este, que atravessa a Mancha discutindo Renan! Um país que deporta um homem desses, ou é um país de sábios ou de ignorantes".
Colaboração: Hilton Araldi