RETRATO DA SEMANA

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domingo, 11 de julho de 2021

E A CHINA ?


Apparício Silva Rillo

do livro Rapa de Tacho volume 2, 15ª ed. Editora Tchê,1990.



Em termos de arte nativista há o que se poderia chamar de "escola missioneira", misto de estilo pessoal e de estado de espírito. Afinal, não seria por nada que nos Sete Povos começou a civilização rio-grandense, a despeito dos lusófilos que tentam, por todos os meios, arredar da história gaúcha a presença do jesuíta, do espanhol e do guarani em nossa formação.

O intróito vem apenas para destacar, num causo, três expoentes desta escola: Jayme Caetano Braun, o poeta e pajador, e os músicos e cantores Pedro Ortaça e Cenair Maicá - todos batizados com as águas do lendário Rio Uruguai, trio nascido nas Missões e que as leva no mais íntimo de si. 

Pois os três, certa feita, foram contratados para um espetáculo na cidade de Lajes, em Santa Catarina. Cenair e Ortaça fariam a parte musical cabendo ao Jayme as apresentações em verso, as pajadas e os poemas. 

Dentre seus belíssimos trabalhos, de pura cepa terrunha, Jayme assina "Bochincho" - poema mais conhecido, hoje, que os nomes de Maria e João. 

Em seu final o poema diz: 

"... varei o Uruguai a nado / pois meu zaino era um capincho / e a história deste bochincho / faz parte do meu passado.

E a china nunca mais vi / no meu gauderiar andejo /somente em sonhos a vejo /em bárbaro frenezi..."

Já previamente combinado, quando o Jayme recitasse a penúltima estrofe, Pedro Ortaça indagaria: "E a china?", mote para o poeta fechar o seu poema. 

Mas o tal espetáculo de Lajes, infelizmente para o Jayme que intervinha na parte final, não estava sendo levado a sério por um bando de gringos que estava botando cerveja pelo ladrão, fazendo mais barulho que chuva de pedras em coberta de zinco.

O Jayme, brabo como zorrilho bulido, ia dizendo seu poema enquanto o Ortaça milongueava ao fundo, acompanhado pelo Cenair. E a gringada fazendo o seu "bochincho" e atrapalhando a maioria que desejava ouvir o trio de missioneiros.

Foi o Jayme, já meio gritando, recitar "...e a história deste bochincho / faz parte do meu passado", e o Pedro Ortaça, também não menos brabo, lançar a pergunta combinada:

- E a china, ermão?

O Jayme, nestas alturas, já botava fogo pelas ventas. À indagação do Ortaça, em vez do verso de encerramento, gritou, para que tomo mundo ouvisse:

- Foi à puta que a pariu e nós de atrás!