RETRATO DA SEMANA

RETRATO DA SEMANA
VEM AÍ O 32º RONCO DO BUGIO. Dias 30 de agosto e 1 de setembro no CTG Rodeio Serrano, em São Francisco de Paula. Gravura: Léo Ribeiro

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

VALDIR VERONA


E O FEITIÇO DA VIOLA ANCESTRAL 
Desprestigiado por mais de um século no Estado, instrumento é hoje alvo de renovado interesse

Valdir Verona e sua viola: formação interiorana inspirou seu trabalho de resgate do instrumento 
 Foto: Vasco Machado / Divulgação

Por: Juarez Fonseca - ZH

Por que teria a viola de 10 cordas desaparecido da paisagem musical do Rio Grande do Sul se foi o primeiro instrumento a chegar, com os colonizadores portugueses e os tropeiros paulistas? A versão mais aceita atribui esse desaparecimento ao acordeão, trazido pelo imigrante italiano a partir de 1875, um instrumento de muito mais volume sonoro para animar os bailes. Mas se os gaúchos logo adotariam também o violão, por que a viola ficou para trás – ao contrário do que ocorreu em São Paulo, Minas e no Nordeste? A antiga viola de arame, com o tempo popularizada como viola caipira, hoje tem cada vez mais tocadores e estudiosos. Há toda uma mística em torno dela e dos violeiros, muitos deles cultuados; há toda uma cultura própria, que motiva trabalhos acadêmicos, livros, documentários. E no Rio Grande?

Pois a segregação da viola no Estado parece que começa a chegar ao fim. O primeiro responsável por isso é, curiosamente, um descendente de italianos, o caxiense Valdir Verona. Formado em violão clássico, quando decidiu viver da música, no início da década de 1990, ele lembrou da infância no interior, dos ternos-de-reis com os cantadores que ainda tocavam viola. E pensou em um trabalho de resgate do instrumento. No primeiro disco, de 1995, usou a viola para fazer música universal. Em 1998, depois de participar de oficinas com Roberto Corrêa, músico e pesquisador mineiro, professor da Escola de Música de Brasília e um dos maiores violeiros do país, resolveu se voltar para a música regional. E achou o caminho, como mostra o reconhecimento nacional por seu trabalho, em festivais como o Voa Viola.

Verona está lançando o sexto disco, Na Estrada, em que mescla músicas próprias e clássicos gaúchos. Mesmo compondo sobre ritmos regionais, ele não usa o linguajar tradicionalista para cantar (e filosofar sobre) o companheirismo, a mulher, a natureza, o pago. Trecho da milonga Com a Viola na Garupa: “A vida é a maior escola/ Onde busco fundamentos/ No rumo dos quatro ventos/ Vou cumprindo minha sina/ Esse andejar me fascina/ Dos reveses não lamento”. São cinco canções e três instrumentais dele e parceiros (como Irmão Violeiro e Chacarera Entre Amigos) e cinco de outros autores: Os Homens de Preto (Paulo Ruschel), Semeadura (Vitor Ramil), Antes do Canto dos Galos (Newton Bastos/Roberto Ferreira) e as instrumentais Balseiros do Rio Uruguai (Barbosa Lessa) e Largo (o inverno das Quatro Estações de Vivaldi).

Grande músico e cantador, Verona gosta de receber amigos. No álbum, estão o bandoneon do uruguaio Carlitos Magallanes, a viola-de-cocho do mato-grossense Daniel de Paula, a cantoria do mineiro Luiz Salgado, o piano do gaúcho Eder Bergozza, as vozes do Chão de Areia – este grupo de Tramandaí dá a deixa para eu falar um pouquinho mais sobre a viola no RS, pois o violeiro Chico Saga é uma marca de sua sonoridade. Em Sapiranga, a Orquestra Gaúcha de Viola Caipira atua desde 2007. Em Porto Alegre, o multi-instrumentista Ângelo Primon (atração do Projeto Unimúsica em 5 de setembro) tem se fixado cada vez mais na magia da viola, até empolgando músicos uruguaios a tocá-la. “As novas gerações começam a incorporar esse instrumento”, diz ele. “A afinação aberta e a exigência técnica são atrativos importantes.”

E quem assistiu aos shows do duo pop Pouca Vogal pôde ver que o papa Humberto Gessinger também foi enfeitiçado pelas 10 cordas e pela cintura fina da dita cuja.