E O FEITIÇO DA VIOLA ANCESTRAL
Desprestigiado por mais de um século no Estado, instrumento é hoje alvo de renovado interesse
Valdir Verona e sua viola: formação interiorana inspirou seu trabalho de resgate do instrumento
Foto:
Vasco Machado / Divulgação
Por: Juarez Fonseca - ZH
Por que teria a viola de 10 cordas desaparecido da paisagem musical do
Rio Grande do Sul se foi o primeiro instrumento a chegar, com os
colonizadores portugueses e os tropeiros paulistas? A versão mais aceita
atribui esse desaparecimento ao acordeão, trazido pelo imigrante
italiano a partir de 1875, um instrumento de muito mais volume sonoro
para animar os bailes. Mas se os gaúchos logo adotariam também o violão,
por que a viola ficou para trás – ao contrário do que ocorreu em São
Paulo, Minas e no Nordeste? A antiga viola de arame, com o tempo
popularizada como viola caipira, hoje tem cada vez mais tocadores e
estudiosos. Há toda uma mística em torno dela e dos violeiros, muitos
deles cultuados; há toda uma cultura própria, que motiva trabalhos
acadêmicos, livros, documentários. E no Rio Grande?
Pois a
segregação da viola no Estado parece que começa a chegar ao fim. O
primeiro responsável por isso é, curiosamente, um descendente de
italianos, o caxiense Valdir Verona. Formado em violão clássico, quando
decidiu viver da música, no início da década de 1990, ele lembrou da
infância no interior, dos ternos-de-reis com os cantadores que ainda
tocavam viola. E pensou em um trabalho de resgate do instrumento. No
primeiro disco, de 1995, usou a viola para fazer música universal. Em
1998, depois de participar de oficinas com Roberto Corrêa, músico e
pesquisador mineiro, professor da Escola de Música de Brasília e um dos
maiores violeiros do país, resolveu se voltar para a música regional. E
achou o caminho, como mostra o reconhecimento nacional por seu trabalho,
em festivais como o Voa Viola.
Verona está lançando o sexto disco, Na Estrada,
em que mescla músicas próprias e clássicos gaúchos. Mesmo compondo
sobre ritmos regionais, ele não usa o linguajar tradicionalista para
cantar (e filosofar sobre) o companheirismo, a mulher, a natureza, o
pago. Trecho da milonga Com a Viola na Garupa: “A vida é a
maior escola/ Onde busco fundamentos/ No rumo dos quatro ventos/ Vou
cumprindo minha sina/ Esse andejar me fascina/ Dos reveses não lamento”.
São cinco canções e três instrumentais dele e parceiros (como Irmão Violeiro e Chacarera Entre Amigos) e cinco de outros autores: Os Homens de Preto (Paulo Ruschel), Semeadura (Vitor Ramil), Antes do Canto dos Galos (Newton Bastos/Roberto Ferreira) e as instrumentais Balseiros do Rio Uruguai (Barbosa Lessa) e Largo (o inverno das Quatro Estações de Vivaldi).
Grande
músico e cantador, Verona gosta de receber amigos. No álbum, estão o
bandoneon do uruguaio Carlitos Magallanes, a viola-de-cocho do
mato-grossense Daniel de Paula, a cantoria do mineiro Luiz Salgado, o
piano do gaúcho Eder Bergozza, as vozes do Chão de Areia – este grupo de
Tramandaí dá a deixa para eu falar um pouquinho mais sobre a viola no
RS, pois o violeiro Chico Saga é uma marca de sua sonoridade. Em
Sapiranga, a Orquestra Gaúcha de Viola Caipira atua desde 2007. Em Porto
Alegre, o multi-instrumentista Ângelo Primon (atração do Projeto
Unimúsica em 5 de setembro) tem se fixado cada vez mais na magia da
viola, até empolgando músicos uruguaios a tocá-la. “As novas gerações
começam a incorporar esse instrumento”, diz ele. “A afinação aberta e a
exigência técnica são atrativos importantes.”
E quem assistiu
aos shows do duo pop Pouca Vogal pôde ver que o papa Humberto Gessinger
também foi enfeitiçado pelas 10 cordas e pela cintura fina da dita
cuja.