RETRATO DA SEMANA

RETRATO DA SEMANA

domingo, 6 de agosto de 2023

 

COMO SURGIU O COMPASSO BUGIO

Irmãos Bertussi. Primeiros músicos a gravarem um bugio
(Casamento da Doralice)

 
Hoje vamos fazer uma breve explanação sobre o ritmo bugio, o único compasso gauchesco surgido no Rio Grande do Sul.
 
Segundo o dicionário da língua portuguesa, bugio significa uma espécie de macaco. Tal animal seria oriundo da Argélia, mais precisamente da cidade de Bugia, que leva o nome por dizer-se o berço do citado primata. Figurativamente chama-se de bugio o indivíduo feio, desengonçado, que imita os outros. Macaqueador.
 
Uma característica marcante dos bugios é a presença do osso hióide (gogó) muito desenvolvido nos machos, que atua como câmara de ressonância e amplificação, conferindo a esses animais uma vocalização ímpar e mais acentuada, quando o tempo está para chover. Segundo os mais antigos “se o bugio roncou no mato, é chuva grossa de fato” e nenhum campeiro saía para suas lides sem a capa na garupa.
 
Pois foi para imitar esse ronco que surgiu o único ritmo genuinamente gauchesco, visto que todos os outros (vaneiras, chotes, valsas, etc.) são “importados”. O eterno debate que serve mais para alimentar o folclore é aonde surgiu o ritmo. Alguns historiadores dizem que foi em São Francisco de Assis, através do gaiteiro Neneca Gomes. Outros, como Os Bertussi, defendem que a origem do balanço sincopado apareceu pela primeira vez lá pelas bodegas do Juá, em São Francisco de Paula, através do gaiteiro Virgílio Leitão. 
Alguns pesquisadores do assunto dizem que as afirmativas anteriores carecem de um estudo mais profundo pois a "imitação" do ronco do primata se faz com o jogo-de-foles do acordeom e as gaitas botoneiras executadas por Neneca Gomes e Virgílio Leitão, por abrirem num tom e fecharem em outro, não permitem tal movimento. 
 
O folclorista Paixão Côrtes considera que é muito perigoso precisar o nascedouro do gênero musical característico do Rio Grande do Sul e que o compasso deve ter sido criado bem depois da Guerra do Paraguai pois em pesquisas discográficas da época do gramofone, entre o período de 1913 a 1924, nunca aparece o gênero bugio.
 
Adelar Bertussi, mais recentemente, apresentou uma pesquisa intitulada “O Bugio na Mulada”, onde retrata o aparecimento do ritmo em sua terra natal, no interior de São Francisco de Paula. Segundo suas observações, fruto de diversas entrevistas, o gênero já era dançado na região serrana, antes de 1918, pelos bugres descendentes dos índios caingangues que habitavam as encostas do Rio das Antas e os tropeiros birivas açorianos. Uma coisa é certa: foram eles, Os Irmãos Bertussi, os primeiros a gravar um bugio, intitulado Casamento da Doralice, no LP Coração Gaúcho.
Conta-se que tal qual o tango argentino, que foi parido na zona portuária de Buenos Aires e inicialmente era proibido de ser executado nos salões nobres por ser considerado um ritmo degradante pois permitia aos dançarinos um “roça-roça” inconcebível para a época, o bugio também só era retrechado nos bailes de ralé onde o cheiro da canha, o lusque-fusque das lamparinas e o perfume de baixa qualidade faziam parceria para o embalo que tomava conta dos bailões de fundo de campo. Seu compasso sincopado convidava aos bailarinos dançarem meio acotovelados e imitando os passos do bicho bugio.
Uma das características deste animal está relacionada com as suas reações ante uma adversidade, quando ele excreta e lança as fezes sobre seus adversários, ou seja, sua arma é seu esterco. Por esses motivos, quando gente de baixo quilate discute asperamente, as pessoas mais experientes aconselham: - não te mete, isto é briga de bugio!


 COMO SURGIU O FESTIVAL

 Capa do livro que editei sobre as 15 primeiras edições do Festival

Na década de 1980 proliferava no estado os festivais nativistas. Tendo a Califórnia da Canção Nativa de Uruguaiana por pioneira, ocorreu no Rio Grande, em determinado tempo, em torno de 90 festivais ao ano.
O serrano João Cincinato Terra sentiu a necessidade do município de São Francisco de Paula acompanhar aquele movimento musical que se acentuava nas cidades rio-grandenses. Trocando ideias com o diretor do conjunto Os Serranos, Edson Dutra, os intentos foram amadurecendo. Tendo a convicção de que o ritmo bugio era originário dos campos de cima da serra, Edson havia tentado constituir em sua terra natal, Bom Jesus, um festival do gênero. Como esta localidade já realizava o ACORDE, um encontro de conjuntos musicais, seus ideais não foram postos em prática. Por que não realizar então tal festival no Berço do Bugio, São Francisco de Paula? Foi o que ocorreu.

Recebendo o apoio do então prefeito Luiz Antônio Salvador e dos integrantes do grupo Os Mirins (Chico e Albino), também serranos, no ano de 1986, sob um lonão de circo e um frio de renguear cusco, num meio de semana, para que os conjuntos de baile pudessem participar, aconteceu o 1º Ronco do Bugio que teve como vencedora a composição “Levanta Bugio” do cantor Leonardo, acompanhado pelo grupo Os Monarcas.

O Festival Ronco do Bugio, que agora, nos dias 22 e 23 de setembro atinge sua 30ª edição é um evento genuíno, sendo o único do Rio Grande do Sul onde só podem participar concorrentes que executem o mesmo ritmo musical, ou seja, o bugio.

Se o nascedouro do "balanço de passo de ganso" ainda gera discussões, uma coisa é certa: São Francisco de Assis, que inclusive tem estátua de Neneca Gomes em sua praça e São Francisco de Paula preocuparam-se em preservar, através da música, não só o primeiro e único gênero musical gaúcho, como também chamar a atenção de todos para a quase que extinção deste primata de nossas matas, onde, em nome do progresso, quase não se ouve mais roncar o bugio.

DEIXANDO OS DEBATES DE LADO 


E o melhor de tudo: Deixando esses embates de lado os dois municípios uniram-se num projeto grandioso para tornar o compasso Bugio como Patrimônio Imaterial do Rio Grande do Sul. 
Inclusive fui convidado, representando São Francisco de Paula, para palestrar sobre o tema em São Francisco de Assis aonde fui recebido com o maior carinho e respeito possível. 
Até mesmo criei uma arte (acima) para representar esta união. 

O BUGIO É GAÚCHO

(Léo Ribeiro)

 

Bugio é um toque no estilo campeiro

trancão galponeiro de cerne e raiz

brotou da cordeona imitando o primata

roncando nas matas do Sul do país.

 

É marca terrunha do Rio Grande antigo

seu pago nativo não se sabe bem

também não importa, o pai é quem cria,

porque geografia não ama ninguém.

 

O bugio é gaúcho, gaudério, teatino,

compasso genuíno a gaita é sua vós.

Nasceu das tropeadas nas noites sem sono

bugio não tem dono é de todos nós.

 

São "Chico" de Paula, São "Chico" de Assis,

que ideia feliz fazer união

seremos mais fortes assim deste jeito

o trato "tá" feito nós somos irmãos.

 

Protejam o bicho do mato sumido

retrechem sonidos, exaltem nos versos...

Aqui no Rio Grande se planta a semente

e logo na frente se ganha o universo.