REVOLUÇÃO DE 1923 - PARTE VI
O Leão do Caverá
A mais destacada das tropas
revolucionárias de 23 era constituída por gente de São Francisco de Assis,
Rosário, Alegrete, Quaraí e Uruguaiana; obedecia ao comando de Honório Lemes,
conhecido como o Leão de Caverá.
Coube-lhe operar no terreno mais
desfavorável ao tipo de luta empreendida, porque a região da chamada campanha
do Rio Grande só dispõe de suaves ondulações e de vegetação rasteira, o que
dificulta ocultar a presença e a movimentação de tropa face ao inimigo. Honório
Lemes enfrentou também o adversário mais brilhante e pertinaz, o Coronel Flores
da Cunha, que era auxiliado pelas forças do Coronel Claudino e pelo próprio
comandante geral da Brigada Militar, Coronel Amadeu Massot.
Honório Lemes não tinha o aspecto
e a sobranceria dos caudilhos tradicionais. Tratava a qualquer soldado como a
um igual. "Confiava em seus homens, que por sua vez lhe retribuíam a
confiança, e não os importunava com detalhes". O efetivo de sua tropa
chegou a atingir cerca de 3 mil homens. Lemes era um chefe carismático. Usava
um linguajar típico, entremeado de corruptelas e com inflexões peculiares à
gente do sul; era sagaz e inteligente; ditava as ordens "com termos
certos, frases sóbrias, adequadas, com o ritmo e as pausas indicando e a
espécie qualitativa da pontuação". Alguns chegavam a admitir que "a
sua atuação nessa luta o colocava na vanguarda dos guerrilheiros da América do
Sul".
Logo depois de rebelar-se em
Vacaiquá e assumir em Alegrete uma função de chefia, Lemes ocupou Rosário e
Quaraí, então desguarnecidas, e depois (30 de março) marchou sobre Uruguaiana,
defrontando-se pela primeira vez com as tropas de Flores da Cunha. Parece que
seu intento era fazer de Uruguaiana a sede de governo do candidato libertador,
criando as condições de dualidade de poderes necessárias à intervenção federal.
Durante três dias cercou a cidade, mas, faltando-lhe munição e outros recursos,
não teve outra alternativa senão levantar o assédio.
Flores da Cunha iniciou a
perseguição – que só terminaria com o armistício –, tentando deixar Honório
entre suas tropas e as do Coronel Claudino, mas ele retraiu para Caverá, onde
se juntaria com a força de Estácio Xavier de Azambuja, dando combate a Claudino
no Santa Maria Chico em 15 de maio. Em Posto Branco, na Fazenda da Serra,
esperou durante três dias e três noites para fechar o cerco em torno dos grupos
de Claudino. Sem armas e sem munição suficiente para liquidar o adversário,
Honório teve de permitir a retirada de Claudino para Rosário. Pouco depois, em
Santa Rosa, no Caverá, enfrentou e derrotou a brigada de Flores da Cunha, que
se dispersou, levando cerca de 15 dias para se reorganizar em Livramento, de
onde partiria para Quaraí e depois para Alegrete, a fim de alcançar novamente
as tropas de Honório. Destacou-se em Santa Rosa a atuação de Maurício de Abreu,
descendente do Barão do Cerro Largo, que Honório, em campanha, promoveu a
coronel. Nesse combate, conta Antero Marques, um grupo de revolucionários foi
isolado e perseguido pelos borgistas que os iam alcançando e matando. O último
sobrevivente teve o cavalo morto e rodou espetacularmente. Então o líder dos
perseguidores gritou a seus homens:
"Este é meu! Deixem este pra
mim!... Atendam os outros. O vulto do revolucionário destacou-se por instantes,
solito, parado, quieto, como resignado à espera do destino, ao lado do seu
cavalo morto; o agaloado representante do amor por princípio, no ímpeto em que
ia deu de espora e esbarrou-lhe o cavalo em cima, para ultimá-lo, recebendo de
golpe e de improviso, à queima-roupa, o tiro que o abateu; no mesmo instante e
ao mesmo tempo, o fugitivo saltou-lhe no cavalo, que era excelente e deu boca;
debalde os comandados, de súbito surpresos e atônitos com o inesperado do
lance, tentaram sem poder alcançá-lo uma perseguição para vingar o chefe".
Honório seguiu depois para São
Francisco de Assis, que as tropas borgistas, muito reduzidas, abandonaram, e
daí para São Gabriel e Alegrete, onde se travou o renhido combate de
Ibirapuitã.
Flores da Cunha ressaltou nesse
episódio a bravura de combatentes incógnitos, como aquele que "ferido à
bala no rosto, com orifício de entrada e de saída, quase exangue,
dessangrando", tentava novamente montar para prosseguir na peleja; ou
daquele outro que "debaixo de uma chuva de projéteis, à vontade, tirava os
arreios de seu cavalo morto e encilhava outro, que trazia a cabresto, de depois
de apertar a cincha, ainda fez o gesto costumeiro de todo o homem do campo:
segura em ambas as cabeças do lombilho, acomodando-o para que se assentasse
melhor no lombo do cavalo".
No combate de lbirapuitã morreram
os chefes revolucionários Maurício de Abreu, Gabriel e Delfino Timbaúva e
Guilherme Flores da Cunha, irmão do Coronel Flores da Cunha, que foi ferido
assim como Oswaldo Aranha.
Sempre perseguido por tropas de
Flores ou de Claudino, Honório combateu em Palomas, Passo da Cruz, Passo do
Guedes, Vista Alegre e Poncho Verde. Percorreu os campos de Dom Pedrito, Quaraí
e São Francisco, onde tombaram os defensores da cidade, liderados pelo
Intendente Carlos de Oliveira Gomes. Prosseguindo para Santiago e São Luís,
pelejou em Itaroquém, Carajazinho, São Lucas, Dilermando de Aguiar, Olhos
d'Água, São Gabriel e no memorável encontro do Passo da Armada, descrevendo a
Volta da Serra para aliviar ou salvar a coluna, acossada sem trégua.
Embora o Exército permanecesse
neutro, muitos oficiais e sargentos participaram do movimento. Consta mesmo que
se esperava que o 6º Regimento de Cavalaria, sublevando-se na guarnição de
Alegrete, logo no início da revolta, aderisse aos bandoleiros. Na Volta da
Serra, Honório Lemes penetrou em São Luís a convite da guarnição federal que se
revoltara e prendera o comandante; o administrador da Fazenda Nacional em São
Gabrielzinho colaborava com as tropas de Honório Lemes, permitindo passagem de
tropas revolucionárias pela Fazenda Nacional; o governo estadual, por sua vez,
contava com a assistência de vários oficiais superiores e até de generais.
Honório andava pelas imediações
de Passo do Ricardinho, em Quaraí, em busca de munição, quando, apesar dos
esforços em contrário do Coronel Flores da Cunha, foi alcançado pelos
emissários do Marechal Setembrino de Carvalho, Ministro da Guerra, para a
assinatura de um armistício.
Encontrando Honório Lemes, o
Ministro da Guerra interpelou-o: "Mas afinal, o que é que os senhores
querem?" Sem titubear, o inculto fazendeiro que chegara a general no curso
da revolução respondeu: "Nós queremos leis que governem os homens e não
homens que governem as leis".