RETRATO DA SEMANA

RETRATO DA SEMANA
A tomada da Ponte da Azenha, do pintor Augusto Luiz de Freitas (Instituto de Educação General Flores da Cunha, Porto Alegre/RS)

sábado, 12 de março de 2022

SEIVAL FOI TRANSPORTADO NESTE SÁBADO

 

A réplica do lanchão Seival, um dos dois barcos utilizados por Garibaldi em 1839 (o outro era o Farroupilha) e que foram transportados do Rio Camaquã até a foz do Rio Tramandaí sobre rodados de carretas puxadas por 100 juntas de boi cada uma, cruzando por banhadais no forte do inverno para, então, ganharem o oceano rumo a Laguna no auxílio aos catarinenses para a formação da República Juliana, foi levada hoje, dia 12 de março, sobre uma carreta motorizada. 

Leiam abaixo a reportagem completa extraída do Jornal ZH.     


Seival sendo transportado por uma carreta mais moderna 
Mateus Bruxel / Agencia RBS

"O motor veio da Itália"; "Só conhecia pelas histórias do colégio"; "Não imaginava ser tão grande, vai encalhar". O burburinho entre dezenas de moradores e visitantes de Arambaré, na Costa Doce do Estado, pôde ser ouvido durante o horário do almoço deste sábado (12). O causador de tamanho interesse tem nome e medidas bem definidas: Seival, 15 metros de comprimento, 12 de altura e 183 anos de batismo. Cópia do barco usado por Giuseppe Garibaldi na Revolução Farroupilha, a construção foi levada de carreta, em um comboio pela BR-116 até a Lagoa dos Patos — ancorado no ponto em que seu original esteve em 1839.

— Maravilhoso. Vim correndo pra cá assistir. É algo muito importante pra história da nossa região — elogia a comerciante aposentada Silvia Nervo, 69 anos.

Neste 2022, a missão do lanchão — como eram classificados no século 19 — não envolve tiros de canhão ou embates entre as tropas. O objetivo é conscientizar o público para a educação ambiental, além de preservar a história do período, salienta o professor Antônio Carlos Rodrigues, 58 anos, idealizador do projeto.

— O visitante vai poder ver o museu, que terá bala de canhão, luneta e âncora, tudo da época. Mais um canhão réplica e toda explicação histórica — complementa.

Mastro e outros instrumentos serão montados já dentro da água. A navegação, estimada em meses e até anos, percorrerá municípios costeiros, como São Lourenço, Pelotas, Cristal, Rio Grande e Laguna, destino das investidas de Garibaldi dois séculos atrás. Há um sonho em vista: alcançar o mar, depois de um período de aperfeiçoamento pelos rios, e chegar à Itália.

O transporte, desde Camaquã, onde foi montado do zero, iniciou às 9h e foi encerrado — ou quase — ao meio-dia. No início da tarde, ainda havia um trabalho de servidores da prefeitura de Arambaré no terreno ribeirinho e na margem onde o Seival flutuará — com a estiagem, o nível da Lagoa dos Patos está baixo, um risco de encalhe da embarcação.

A prancha que suportava a grande estrutura chamou atenção no caminho e motivou fotos e vídeos de quem era surpreendido pela carreata escoltada na rodovia federal. Após 23 quilômetros na BR-116, as equipes acessaram uma estrada vicinal, cercada por açudes e plantações, até a praia.

Durante a viagem, além do professor-navegador, ocupou o leme seu imediato, Alan Floyd Gipsztejn, 38 anos.

— Meu pai injetava Pink Floyd no nosso ouvido, por isso me deu esse segundo nome. E claro que eu gosto também — explica o barbudo descabelado, figura condizente com o cenário da arca.

A montagem de casco, mastro, convés e outras estruturas exigiu cerca de R$ 500 mil de investimento. Os valores foram buscados pela Associação Amigos do Seival, além do apoio de comerciantes da região.

A propulsão não é a vela como a da epopeia dos farrapos: um motor foi instalado no porão, e teve parte de sua compra financiada por parentes de Giuseppe e Anita Garibaldi, moradores da Itália, terra natal do desbravador. 

— É o tipo de experiência sensorial, que resgata e mantém viva essa história — define Clayton Dworzecki, secretário de Desenvolvimento, Inovação, Cultura e Turismo de Camaquã.

O professor Rodrigues começou o projeto em 2018, mas a construção teve início de fato no final de 2019. Atrasou durante a pandemia de coronavírus, parte pelo aumento nos custos, outra parcela culpa da dificuldade em mão-de-obra náutica especializada.

Formado em Educação Física, apaixonado por questões ligadas à preservação dos biomas, o responsável pela réplica acompanhou cada detalhe do traslado. Com chapéu estilo Indiana Jones, ouvia atentamente quem conhece o calado da barra de Arambaré. Preocupado com sua obra, afastou os galhos das figueiras na avenida que acompanha a faixa de areia. Como um atleta vencedor que desfila em um caminhão de bombeiros, acenava de camarote.

Discutindo mais uma vez as possibilidades de desembarque do Seival — ainda firme sobre a carreta —, respirou fundo, mas deixou a alegria transparecer.

— Tá quase, só alguns ajustes. Mas posso dizer: é uma sensação fantástica — admite.