RETRATO DA SEMANA

RETRATO DA SEMANA
MTC Desenhos

terça-feira, 28 de abril de 2020

TEMPOS DE SECA


Existe um ditado que diz que a desgraça nunca vem sozinha. Pois se não chegasse esta pandemia que nos enclausura há, também, uma seca braba que assola no Rio Grande do Sul trazendo sofrimento e preocupação.
 
A foto abaixo nos dá uma visão da gravidade da falta de chuva. Retrata o fundo da Barragem do Blang, em São Francisco de Paula. Notem que o normal da água é aonde começa o verde das matas.
 
Nos faz recordar do belo poema do mestre Jayme Caetano Braun, que segue em matéria abaixo.   




FIM DE SECA
(Jayme Caetano Braun)

No horizonte enferruscado,
Onde uma barra levanta
O tempo abriu a garganta
E o silêncio de morte
Que, de repente caiu,
Só se escuta o assobio
Plangente, do vento Norte.
 
Há muitos e muitos meses
Vem durando a seca braba.
E nem ao menos, desaba,
Um chuvisqueiro ou garoa.
O calor desacorçoa,
Até parece mandinga,
Cortou-se d´agua a restinga,
Virou num lodo a lagoa.
 
Até o açude da frente
Está de taipa rachada.
E o resto de água embarrada
Que a boiada pisoteia
Parece sangueira feia
Que brotando de repente.
Se esparramasse, inda quente,
Na cancha de uma peleia.
 
Uma poeira colorada
Levanta da grama fina
E uma esquisita  neblina
Treme-treme no espaço.
Há um reflexo de aço
Corcoveando nas canhadas
E andam nuvens esfiapadas
Como babas de mormaço.
 
Além, quebrando o silêncio,
Da embaciada paisagem.
Se apruma um bando selvagem
De quero-queros, gritando,
Como que, rememorando,
Num arremedo de luta,
O guasquear da chuva bruta
Na sanga se desmanchando.
 
Junto ao oitão do meu rancho
Recostado num esteio,
Também espero e bombeio
Ao vento que se apresenta,
Sentindo, ao passo que aumenta,
Repontada na distância,
Aquela estranha fragrância
Que antecede uma tormenta.
 
Até o rebanho do fundo
Cruza em estranho rumor,
Buscando outro parador
No rumo do banhadal.
Esse é o mais certo sinal,
Do temporal que pressinto,
Porque nasceu do instinto
Próprio de cada animal.
 
Meus trastes e meus arreios
Deixo ficar no relento.
Porque assim, não afugento,
Essa chuva que demora.
Convém que fique lá fora
Mesmo que tudo se molhe
Porque, se a gente recolhe,
A chuva se vai embora.
 
Como é lindo ver depois
O campo, quando se alaga,
Até o mormaço se apaga
Do ar xucro, purificado,
E o chão negro, pisoteado,
Se transforma, de vereda,
Num vasto lençol de seda 
Meio amarelo esverdeado.
 
Porém na alma gaudéria
Do índio que anda sozinho
Quando há seca de carinho
A vida é uma eterna espera
E jamais se recupera
Porque, quando a chuva vem,
Já não encontra ninguém,
O peito virou tapera.