Uma reportagem de ZH assinada por Camila Kosachenco e fotos de Lauro Alves, na edição de hoje, 19 de fevereiro, retrata o começo de aulas aos pequeninos da cidade de Morro Reuter. Por uma destas que a cultura germânica é tão forte, tão enraizada. Nós, pelo-duros, gaúchos crioulos, deveríamos fazer o mesmo.
Mas penso que a difusão dos costumes gauchescos na grade escolar é um sonho realizado, apenas, ali pelo município de Taquara, ironicamente também de colonização alemã, graças ao esforço do abnegado Marco Aurélio Angeli, o Zoreia.
As patas curtas andam
ligeiro para abrir passagem. Como se fossem cães de pastoreio, os viralatas
Fred e Frida tomam a frente do grupo troteando com propriedade pelos caminhos
rurais de Morro Reuter, no Vale do Sinos. Logo atrás da dupla peluda, o
agricultor Pedro Paulo Deimling puxa a corda que guia as duas carroças
tracionadas por Segredo e Mineiro. Na carona, duas turmas de alunos da Escola
Municipal de Educação Infantil (Emei) Dom Bosco, com idades entre três e quatro
anos, fazem um passeio incomum pelo interior do município. A atividade foi um
dos marcos da volta às aulas dos pequenos.
— Oi, vacas! — acenou
um menino.
— Oi, natureza! — disse
outro ao passar por uma plantação de milho.
— Oi, carro! — disparou
um terceiro ao cruzar com um veículo.
Com pouco mais de 6,4
mil habitantes, Morro Reuter ainda mantém alguns hábitos peculiares às regiões
interioranas, como cumprimentar a vizinhança. Foi assim, aos poucos, por meio
de passeios pelo entorno na escola, que a criançada foi conquistando os
moradores da região, que começaram a abrir suas portas para recebê-los.
Os pequenos foram
conduzidos pelo agricultor Pedro Paulo Deimling, enquanto os cuscos Fred e
Frida abriam passagem
Há três anos, depois de
observarem uma carroça em sua propriedade, os professores da instituição de
ensino perguntaram a Deimling se ele poderia fazer um passeio com os alunos. O
convite foi aceito e, de lá para cá, a atividade passou a ser repetida, sempre
buscando fazer um resgate histórico do meio de transporte.
— Um dos objetivos é
fazer as crianças compreenderem que os avós usavam a carroça para ir à escola,
além de ela ser uma ferramenta de trabalho no campo — disse Márcia Machry
Philippsen, diretora da Dom Bosco.
Um dos objetivos é
fazer as crianças compreenderem que os avós usavam a carroça para ir à escola,
além de ela ser uma ferramenta de trabalho no campo.
Além da localização
privilegiada, encravada em meio à área rural do município, a escola ainda se
beneficia do carinho da comunidade, que participa ativamente da rotina das
crianças.
— A gente tem o
privilégio de criar laços com os vizinhos, então, eles permitem que a gente
brinque no pátio deles — comemorou a professora Cleunice de Fátima Sobieski.
Acostumado a ir para o
colégio de ônibus, o pequeno Arthur Henrique Rohr, quatro anos, aguardava
ansioso pelo passeio inusitado. Mesmo sem nunca ter andado de carroça, o menino
sabia na ponta da língua qual a função do veículo:
— Carregar o pasto!
Turminha aproveitou e
aprovou a iniciativa
Com um pouco mais de
conversa, o guri, que adora leite, confessou o que desejava encontrar no
caminho:
— Vacas, vacas!
Na lista de interesse
das crianças, ainda constavam "borboletas" e "tartarugas".
— Elas andam na água e na
terra. Têm um casco que é a casinha delas — explicou Arthur.
Embora singela, a
experiência é repleta de significado, especialmente para o guia, o aposentado
que virou agricultor. Criado na roça, Deimling trabalhou como pedreiro, pintor
e na indústria metalúrgica. Quando se aposentou, voltou para a lida com a terra
e, hoje, com o gesto simples de passear com as crianças em carroças,
compartilha um pouco mais da sua paixão. Ele diz que os pequenos pouco sabem
sobre a origem do que comem e, menos ainda, sobre a rotina do campo.
— Quem aqui quer
trabalhar na roça? — questiona no meio do passeio.
Como esperava, nenhuma
mãozinha se levantou.
Crianças conheceram na
prática uma antiga forma de transporte
— Ninguém quer ser
colono, que decepção! — brincou.
Após circular por cerca
de 40 minutos, a turminha voltou para a sala de aula cheia de sorrisos no rosto
e gostinho de quero mais. O próximo passo, organizam os professores, deve ser
um café colonial nas terras de Deimling, com direito a leite tirado na hora das
vacas.
Meu amigo Marco Aurélio Zoreia faz um trabalho semelhante
com crianças e com pessoas "um pouquinho" mais velhas.