No flagrante acima, Paixão Côrtes e Os Três Xirus (com o saudoso
Leonardo tocando tambor a esquerda, Elmo Neher ao violão e Bruno Neher
com o acordeom) numa cantiga de reses.
Folia de Reis é um festejo de origem portuguesa ligado às
comemorações do culto católico do Natal, trazido para o Brasil ainda nos
primórdios da formação da identidade cultural brasileira, e que ainda hoje
mantém-se vivo nas manifestações folclóricas de muitas regiões do país.
Na tradição católica, a passagem bíblica em que Jesus foi
visitado por reis magos, converteu-se na tradicional visitação feita pelos três
"Reis Magos", denominados Melchior, Baltasar e Gaspar, os quais
passaram a ser referenciados como santos a partir do século VIII.
Fixado o nascimento de Jesus Cristo a 25 de dezembro,
adotou-se a data da visitação dos Reis Magos como sendo o dia 6 de janeiro que,
em alguns países de origem latina, especialmente aqueles cuja cultura tem
origem espanhola, passou a ser a mais importante data comemorativa católica,
mais importante, inclusive, que o próprio Natal
Mas como se compõe e qual a função do Terno de Reis?
Segundo o folclorista Paixão Côrtes, é variável o número de
participantes de um "terno" pois nem sempre os cantadores são também
instrumentistas, e isto obriga a uma maior divisão de funções. No geral, não
vai além de oito pessoas: o mestre ou guia e o ajudante de mestre;
contra-mestre e ajudante de contra-mestre; o tipe; o tambor; o triângulo e a
rabeca. O mestre, que é o diretor, deve não só ser um bom repentista como
também um bom conhecedor da história do nascimento de Jesus, principalmente no
que se refere à visita dos Reis Magos. É o mestre (em primeira voz) que inicia
o canto acompanhado de seu ajudante (em segunda voz); o verso é então repetido
pelo contra-mestre e seu ajudante, também em primeira e segunda voz,
respectivamente. O tiple ou tipe ou ainda tipi, é ordinariamente uma criança
que se encarrega de cantar as firmatas características do segundo e do quarto
verso de cada estrofe ou somente deste último. Podem existir um ou dois tipes
em cada terno. Sobre esta figura assim se expressou o folclorista Mário de
Andrade: "A mim me parece que o quipe que 'faz o contracanto' é o mesmíssimo
'tiple', também 'tipe' pela nossa gente folclórica, palavra de terminologia
musical espanhola que nomeia o soprano (se trata dum menino) muito generalizada
nas cantorias brasileiras para indicar uma voz subalterna.
Embora raro, encontramos o terno acompanhado de pau de fita,
boizinho, bumba-meu-boi etc., então com suas representações coreográficas algo
dramáticas, lembrando um rancho definido por Mário de Andrade. Aparecem também
por vezes homens vestidos de mulheres, bem como os arcos de flores das "jardineiras",
os cavalheiros, os porcos, caiteto, uma verdadeira bicharada.
Letra e música
As estrofes de nossos ternos de Reis, são quadrinhas na
maioria das vezes de feitura popular, heptasílabas que narram episódios
referentes ao nascimento de Cristo. Podemos classificá-las como religiosas e
profanas. As primeiras são aquelas que no seu conteúdo mantêm bem vivo o motivo
cristão das comemorações da Bíblia. As profanas são as que fogem ao tema do
ciclo natalino religioso. Mas antes desta narração encontram-se os versos de
chegada ou de saudação, à porta da casa. Os versos compreendem vários ciclos:
anterior ou véspera de 25, dia de Natal, de 25 à 1º do ano e de 1º de janeiro
ao dia de Reis. As estações são cantadas de acordo com o decorrer dos dias, e
obedecem as seguintes principais frases: Chegada, Entrada, Louvação, Peditório,
Agradecimento e Despedida.
Cada terno tem mais ou menos decorado um número grande de
versos, podendo no entanto "o mestre" acrescentar improvisos que a
situação exigir.
São numerosas as melodias existentes. Variam de região para
região. Talvez os tipos de instrumentos musicais acompanhantes tenham
contribuído para o surgimento dessas variedades. Em nossas pesquisas
registramos inúmeras "toadas". As melodias geralmente apresentam duas
partes distintas: uma bastante lenta, corresponde aos versos cantados; a outra
somente tocada, no geral caracteriza-se por uma aceleração do ritmo.
A seguir damos um exemplo da maneira de como é
"tirado" um verso pelos cantores:
Cantam: mestre e seu ajudante
Os três Reis por serem Santos
Os três Reis por serem Santos
Se puseram a caminhar
Repetem: contra-mestre e seu ajudante
Os três Reis por serem Santos
Os três Reis por serem Santos
Se puseram a caminhar
Cantam: mestre e seu ajudante
Procurando Jesus Cristo
Procurando Jesus Cristo
Em Belém foram encontrar
Repetem: contra-mestre e seu ajudante
Procurando Jesus Cristo
Procurando Jesus Cristo
Em Belém foram encontrar
Em outros ternos, porém, cantam os "reses"
quadrinha por quadrinha; assim como as melodias, as maneiras de cantar são
também distintas.
Geralmente eles terminam o verso bem "choroso",
acrescentando "oi"...
Instrumentos
Os instrumentos musicais que podem considerar como
tradicionais são: viola, rabeca, gaita, violão, tambor ou caixa de triângulo.
Comum outrora era a parceira da viola com a rabeca acrescida
quase sempre de tambor ou triângulo. Na falta deste último um estribo de meia
picaria é também usado.
Atualmente a gaita tomou conta da parte musical, fazendo-se
acompanhar do violão e não raro de pandeiro, chocalho e cavaquinho.
Visita
Em traços gerais a visita dá-se da seguinte maneira: no
terreiro da casa, o "terno" tendo a frente o "mestre" e o
"ajudante", faz em verso de "saudação" ao dono da
residência, solicitando permissão para cantarem e ao mesmo tempo
justificando-se da sua chegada:
Chegada
Agora mesmo chegamos
Na beira do seu terreiro
Para tocar e cantar
Licença peço primeiro
Entrada
Se o proprietário concorda — geralmente muito satisfeito e
feliz — abre a porta, convidando o mestre e seus cantadores para passarem.
Existe mesmo uma certa tradição que consiste em o proprietário aguardar alguns
versos para no caso positivo de receber o terno, acender as luzes da casa.
Porta aberta, luz acesa
Sinal de muita alegria
Entra eu, entra meu terno
Entra toda a companhia
Na saída, após muita cantoria, os cantores e os familiares ficam de alma
limpa pela visita que representa a presença do menino Jesus em seu lar.