CARTA ABERTA DE UM GAÚCHO
Agora que passaram os festejos
farroupilhas, algo que instiga, que agita, que revolta algumas pessoas
intolerantes e que vem arrebanhando muitos adeptos sem personalidade, inclusive dentro do próprio gauchismo, quero dar uma dicas a ilustres como Moacyr Flores, Juremir
Machado, Tau Golin, Moisés Mendes, Claudia Laitano, além de outros que nesta
época do ano reaparecem com seus textos bem articulados para atacarem àqueles
que têm por culto, ou mesmo por gosto, usar umas bombachas.
Creio que todos os citados são do
tempo dos antigos LPs, também chamados de “bolachões” e por isso não
estranharão se eu lhes propuser para o próximo ano “virarem o disco” (ou, para que os mais novos entendam), trocarem o tema, não baterem na mesma tecla.
Digo isto por que todos eles, anualmente, são intencionalmente
tendenciosos a vincularem os nossos costumes com a Revolução Farroupilha fixando
a identidade do gaúcho com um determinado período histórico. Para estes, o Rio
Grande do Sul nasceu no dia 20 de setembro de 1835. Com todos os seus tempos de
escola estes colunistas, escritores, mestres acadêmicos, e seus puxas, acabam se nivelando ao
gaúcho que vai ao “acampamento” para comer, beber, ouvir uma gaita, dar
“cantadas” numa “chinoca”, e se achar o maior “cara” do mundo. Ao determinar
que o tradicionalista de hoje vive de histórias fantasiosas de uma guerra que para eles, de repente, nem aconteceu, estes “gaúchos por acidente geográfico” (pois gostariam de ter
nascido em Paris, Rio, Nova York...) se equiparam ao bombachudo de rompantes,
de falar alto, de faca na cintura, mas que nem imagina quem foi um João Simões
Lopes Neto, por exemplo.
- Caros amigos (para não dizer
caras-pálidas): O chimarrão, nosso mate-amargo, nossa comunhão fraternal,
símbolo da hospitalidade que não pode faltar em qualquer rancho sulino por mais
humilde que seja, vem lá das missões guaraníticas, portanto, bem antes da
revolução farroupilha.
- O Cavalo, extensão das pernas
do gaúcho, e que foi arma letal da briosa cavalaria farrapa, enfrentando por
quase dez anos todo o império, com menos homens, menos armas, mas muito mais
valentia, se faz presente em nossa terra bem antes deste decênio heroico e ajudou a gauchada a sustentar as
fronteiras brasileiras nas Guerras Cisplatinas, enquanto a côrte comia, bebia e
promovia saraus no Rio de Janeiro. Além disto foi parceiro de trabalho nos
tempos das sesmarias sem alambrados, no reponte do gado alçado, na formação cultural do gaúcho. Nos dias de
hoje, continua amigo fiel nas lides de campo, nas centenas de cavalgadas de integração familiar, nas
festas e rodeios.
- A bombacha, que vocês
orgulham-se de nunca ter vestido, mas que a milhares de rio-grandenses serve de
segunda pele, nem existia na época da revolução. Surgiu a partir da Guerra do Paraguai.
Se vivêssemos a cultuar exclusivamente o tempo que vocês maldosamente apregoam,
teríamos que andar por aí, pelas praças, pelos shoppings, pelas “casas”, de
CHIRIPÁ.
- As nossas danças, as nossas
músicas, as nossas poesias, nossa literatura regional é toda posterior a
Revolução Farroupilha e poucas destas manifestações artísticas fazem referência
exclusiva e esta epopeia que tanto nos orgulha mas que não é motivo único de
nossa existência.
- Talvez a grande mágoa de vocês
seja a escolha do 20 de setembro como o Dia do Gaúcho, mas queriam o que? A
data em que Elis Regina nasceu? Também gosto da “formiguinha” mas não é para
tanto... Poderíamos, talvez, escolher o 01 de março de 1845, data do Tratado de Paz de Ponche Verde, ou o 11 de setembro de 1836, data da Proclamação da República Rio-grandense, mas aí seria tudo dentro do mesmo tema (Revolução Farroupilha - Guerra dos Farrapos).
Ficaríamos aqui indo além, enumerando dezenas de fatos que desvinculam os costumes do gaúcho da Revolução
Farroupilha e ligando-os, muito mais, a sua labuta de peão, a sua vivência nas estâncias, a busca de trabalho na cidade grande e a consequente saudade do
campo, a sua veia artística, a sua adaptação com a rudeza do clima, a sua alma
desbravadora e colonizadora, mas nem desejamos tudo isto em face de que também temos
orgulho pelos feitos heroicos de nossos antepassados farrapos, mas não só disto.
Vivenciamos intensamente os dias
de hoje pois estes são os nossos momentos mas, no mesmo compasso, cultuamos uma tradição
bonita, pura, legada por nossos antepassados. A
Revolução Farroupilha teve
narrativas épicas que deixaram marcas indeléveis na nossa história e permanecerá como um marco na alma de todos os rio-grandenses mas nossa devoção ao Rio Grande vai bem além de uma Guerra e talvez por tudo isso sejamos
um povo diferente de nossos irmãos brasileiros (nem melhores, nem piores – apenas diferentes) o que magoa, inibe, enrubece estes escritores e cria rompantes indesculpáveis em alguns gaúchos que se julgam superiores.
Ninguém precisa andar de
bombachas, de lenço no pescoço, de chapéu tapeado na testa... Só precisamos que
respeitem o nosso espaço assim como respeitamos o espaço que não nos pertence. Se não gostam de nosso proceder,
por nos considerarem retrógrados, por preservarmos costumes antigos, por
apreciarmos músicas que vocês não apreciam, por termos um atavismo que vocês
não têm, por termos identidade própria, desvinculem-se
de nós.
Que busquem outros temas para
seus pitorescos escritos. O universo é vasto. O Brasil é rico em diversidades culturais.
Preocupem-se com os carnavais, as festas juninas, os
festivais de Parentins, as religiosidades nordestinas, os pantaneiros, os
sertanejos... Se nossa história é fictícia, que comentem sobre Harry Potter, O
Senhor dos Anéis, Guerra nas Estrelas, O Rei Leão, mas nos larguem de mão....
E parem com esta ladainha de que comemoramos
e vivemos em função de uma guerra que perdemos pois aí vou ser obrigado a
pergunta-lhes (um questionamento que não é meu) e guardando as devidas
proporções: - Jesus Cristo não cumpriu sua missão porque morreu crucificado? A
sua história é “fictícia”? A Escócia, recentemente, não obteve nenhuma vantagem embora seu SIM tenha sido rejeitado, como país independente da Inglaterra?
Quem lê sabe e não precisa vir um "historiador" clarear nossas ideias de que nem todos os revolucionários eram separatistas, ou mesmo abolicionistas, ou que os alemães não se integraram na luta... Mas qual é a guerra que teve integração total de seus habitantes? Estas pessoas de quem falo se pegam apenas no que lhes importa para defender seus pensares. Não bombeiam o todo. O resultado político do embate.
Quem lê sabe e não precisa vir um "historiador" clarear nossas ideias de que nem todos os revolucionários eram separatistas, ou mesmo abolicionistas, ou que os alemães não se integraram na luta... Mas qual é a guerra que teve integração total de seus habitantes? Estas pessoas de quem falo se pegam apenas no que lhes importa para defender seus pensares. Não bombeiam o todo. O resultado político do embate.
Aproveitamos a olada e
solicitamos aos detentores do poder público e que não sabem utilizá-lo, a não
ser em benefício próprio, que não queiram empurrar goela abaixo da tradição,
costumes que não fazem parte da mesma. Objetivem seu trabalho naquilo para que são pagos por nós, contribuintes. Respeitamos todos os segmentos da
sociedade mas queremos preservar, fidedignamente, aquilo que nos foi repassado,
caso contrário, na primeira curva da estrada, não enxergaremos mais o quão
bonita e prestimosa foi a nossa história.
Cordialmente
Léo Ribeiro
Um Peão do Rio Grande do Sul