É impressionante como, ao compasso que o tempo anda, nossas referências vão desaparecendo.
Todos trazem na mala-de-garupa das recordações, por mais singelas que sejam, lembranças vinculadas a um lugar em que foi feliz. Casa dos avós, rancho dos pais, uma rua, uma cidadezinha, um campinho de futebol...
Nasci em Contendas, interior de São Francisco de Paula, passei minha infância em Aratinga, à poucos quilômetro de onde vim ao mundo, e minha adolescência cruzei na então serena e linda São “Chico” de cima da serra.
Destes meus recuerdos, quase nada resta. Há pouco tempo tentei descobrir o local exato onde dei meu primeiro berro aparado pelas mãos abençoadas da parteira Dona Augustinha. Não consegui. No trilho de acesso ao meu nativo berço há uma porteira, com cadeado, e uma placa avisando: Proibida a entrada! Propriedade Particular (uma firma de Caxias do Sul).
Na legendária Aratinga de mil histórias o progresso encarregou-se de detonar meus elos com a infância. As máquinas da estrada Rota do Sol empurraram Serra do Pinto abaixo meus tempos de liberdade, meus pés descalços, meus bodoques, minhas bolinhas de gude... Os meus amigos, há muito se extraviaram por aí...
Mas uma das minhas referências continua viva! Impávida, embora desgastada pelos anos, solitária, embora rodeada de transeuntes. A casa do Seu Napoleão Moura (foto), na esquina da avenida Júlio de Castilhos com a Barão do Santo Ângelo, rua aonde, no número 73, passei lindos (e também penosos) momentos de minha existência ao lado de minha gente.
Tenho certeza que tal edificação tão representativa de nossa terra, exulta à muitos além de mim.
Mas por quanto tempo ela resisitirá ao assédio do progresso? Quantos invernos ainda branquearão seu corpo?
Este marco de nossas vidas é como um moirão de angico, um cerne de guajuvira mas, nem sendo assim, fortes, rijos, não firmarão no queixo o potro da modernidade.
Quem sabe exista alguma maneira de acalentar nosso passado mantendo esguia esta casa que é uma nesga de sol de nossa história serrana. Que algum governante impetuoso tombe esta construção! Que declare de Patrimônio Municipal este brazão de nossa cidade para que os alicerces desta morada continuem sustentando a nossa memória. Que ali se crie um museu contando a formação de nosso povo.
Esta casa deve ter alma, mas que seu corpo de madeira fique perene entre nós.
Nos verdes anos, a ombrear cadernos,
ia eu, mocito, desbravando a rua,
e na esquina, no rigor do inverno,
aquela casa de paredes nuas...
“Garrei” o mundo, flor da mocidade,
pra buscar o pão eu troquei de povo
mas o tempo insano não respeita idade
e tapou de marcas o meu rosto novo.
E agora volto pras ruas e praças
e a velha casa continua ali
e juro que vejo naquelas vidraças
a minha imagem de quando ainda guri!
(poema de: Léo Ribeiro)
(poema de: Léo Ribeiro)