RETRATO DA SEMANA

RETRATO DA SEMANA
A tomada da Ponte da Azenha, do pintor Augusto Luiz de Freitas (Instituto de Educação General Flores da Cunha, Porto Alegre/RS)

sábado, 7 de outubro de 2023

 

ATAVISMO

- Léo Ribeiro de Souza - 

 

Trago ao reponte um destino, um fado,

e que me prende a cultivar raízes

correntes de aço, grilhões bem cadeados

silenciosos, densos, invisíveis. 

 

É algo estranho, não nasci no campo,

não tive estância ou pingos de lei,

mas aqui dentro tenho acalantos

pela querência onde me criei.

 

Sei que tem nome esse ardor latente:

É atavismo, reaparições,

e que renasce nalgum descendente

mesmo passadas muitas gerações.

 

Por certo alguém de antigas eras

doou-me a sina de apego ao chão,

talvez um negro que virou tapera

quando em Porongos lhe gritaram - Não!

 

Quem sabe um índio que fugiu da tribo

ou um soldado lá de Gumercindo,

crente no braço, muito bom no estribo,   

destes gaudérios que peleavam rindo?

 

Mas também pode ser um pajador,

ou um poeta com a pena em riste,

vates que sabem versejar o amor

para que o mundo fique menos triste. 

 

Talvez eu venha do distante Açores

singrando mares pra povoar aldeias,

um litorâneo suportando as dores

pra ser pendão deste chão de areia.

 

Sou meio assim... colcha de retalhos,

colono guapo trabalhando a terra,

um missioneiro ao pé do borralho,

um rio-grandense da fronteira à serra.

 

Carrego a imagem de tantas Anitas,

de Cabos Tocos, guerreiras de brilho,

e a ternura daquela mãe solita

nas madrugadas acalentando um filho.

 

Sou prisioneiro de airosas lendas,

folhas de livros, baús da memória,

de tempos feios ou gloriosas sendas

donde criou-se minha própria história.

 

Eu fui flechado, mas não sei o dia,

pelo atavismo de algum Querubim

e desde então, pela poesia,

avulto a chama que habita em mim.

 

Sou qual o Boca, lembrei de vereda

deste terrunho que dizia em verso:

- Eu sou gaúcho e isto me chega

pra ser feliz em todo o universo.

 

 

*Boca: Poeta e declamador Marco Aurélio Campos