UM GRANDE GAITEIRO
Jackson toca gaita desde os 13 anos por influência do pai, Jorge Machado, um músico amador que costumava se apresentar em um programa de rádio transmitido de associações ou Centros de Tradições Gaúchas (CTGs) de Butiá às sextas-feiras. No encontro, já extinto, os participantes interpretavam ao vivo músicas de artistas gaúchos. Jackson acompanhou o pai até o dia 29 de novembro de 2019.
— Ele estava tocando e foi
encerrar o programa. Quando terminou a música, largou a gaita no chão, caiu e
morreu. Acreditamos que tenha sido um infarto — conta o jovem, que mora com a
mãe em Butiá.
Adotou o “Machado” do pai para o
nome artístico e herdou uma das gaitas. Por conta da deficiência, o músico não
consegue tocar os baixos da gaita - botões na extremidade esquerda que exercem
função de acompanhamento. É com a direita que consegue executar as músicas. O
braço esquerdo ajuda no “balanço” do fole da gaita.
— Meu professor foi meu pai, mas
sempre pego os grandes nomes da música e presto atenção: olho e tento
reproduzir, mesmo com a dificuldade que tenho. Vou escutando e adaptando para
meu jeito de tocar, tentando chegar o mais próximo do original. Nasci ouvindo
música e pretendo ser músico até o fim da minha vida — afirma.
Além do pai, cita outros que o fizeram amar a gaita: Luciano Maia, um acordeonista gaúcho que mora em Lisboa, é a principal referência do jovem no instrumento. Gosta também dos Monarcas, Os Serranos, Albino Manique, além de artistas sertanejos.
No dia 2 de dezembro de 2022, o cantor e violonista Gabriel seguia sozinho para tocar em um evento em Aceguá, na fronteira com o
Uruguai. Estava há dois anos à procura de um gaiteiro para acompanhá-lo, pois
“estava difícil de achar”. Antes, porém, parou em Butiá para uma apresentação
em uma pastelaria. No local, tocou músicas nativistas e sertanejas a pedido do
público por 40 minutos, com um gaiteiro com quem não conseguia “se entrosar”
naquela noite.
Foi quando, motivado pelo dono da
pastelaria, o rapaz que havia emprestado a gaita para o show assumiu o
instrumento. Gabriel sabia algumas coisas do jovem: era irmão de um amigo e uma
pessoa com deficiência. O que o cantor não fazia ideia era que Jackson era
gaiteiro, mesmo com a limitação das mãos.
— Foi uma surpresa, me comovi bastante.
Ele foi fazer uma participação e continuamos até o fim da noite. Parecia que
tocávamos juntos há 10 anos — conta Gabriel.
A parceria daquela noite
aproximou os músicos, que, cinco dias depois, subiram ao palco para se
apresentar juntos como dupla pela primeira vez, também em Butiá. Desde então
viajam para se apresentar em municípios gaúchos.
— Me disseram há alguns dias:
“Bah, o Gabriel poderia ter arrumado outro tipo de gaiteiro, melhor que ele
(Jackson)”. Não, o melhor gaiteiro para mim é o Jackson. É um cara que veio
para completar a minha vida — diz o cantor.
Jackson completou o Ensino Médio - sem repetir de ano, ele sublinha - e até os 11 anos frequentou a Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), em Porto Alegre, onde fazia atividades de desenvolvimento dos braços. Segundo ele, um diagnóstico apontou que uma malformação na gestação foi a responsável pelo desenvolvimento incompleto das duas mãos (leia mais sobre isso no fim da reportagem). Ele relata ter tentado formas de remediar a condição:
— Sempre consegui me adaptar melhor sem próteses. Hoje, as dificuldades são mínimas. Faço tudo sozinho: dirijo, me alimento, sem uso de adaptação. As pessoas tiram fotos, filmam, me tratam normalmente. Se algum dia falaram alguma coisa, nunca dei bola também, porque isso (a deficiência) nunca me afetou. Sempre tive amigos, e eles nunca foram preconceituosos comigo. Na escola sempre fui querido por todos, graças a Deus. Tenho uma vida normal.
Texto: Vinicius Coimbra / RBS
Foto: André Ávila