RETRATO DA SEMANA

RETRATO DA SEMANA

domingo, 21 de fevereiro de 2021

OS PADRES POETAS

 

Como hoje é domingo mas não temos missa presencial, vamos falar um pouco sobre alguns padres versejadores da cultura gaúcha.  Os vates sacerdotes. Eu conheci quatro, mas deve ter bem mais. O Padre Paulo Aripe, o Potrilho do Alegrete, o Bispo Dom Luiz Felipe de Nadal, Amadeu Gomes Canellas, ainda entre nós, e o Padre Pedro Luis, autor do livro O Gênio do Pampa, obra que guardo na cabeceira de meu catre. Todos integrantes da Estância da Poesia Crioula. 





Pois o escritor Passofundense Paulo Monteiro, certa feita, me mandou uma bela rezenha sobre o Padre Pedro, a qual retransmito para os leitores:

Padre Pedro Luis, mestre da poesia gauchesca

Tenho salientado em diversos artigos publicados na Revista Somando e, depois, divulgados na Internet, o esquecimento que as instituições auto-proclamadas defensoras da “cultura gaúcha” aos poetas que cantam as coisas telúricas do Estado. Gauchescos, regionalistas ou nativistas, pouco importa o nome que se lhes dê, a verdade é que jazem no esquecimento. Um desses poetas esquecidos é o Padre Pedro Luis, um dos fundadores da Estância da Poesia Crioula.

Pedro Luis Bottari nasceu no interior de Santa Maria no dia 29 de junho de 1905 e faleceu e ali no dia 23 de agosto de 1983. Segundo consta à página 28 do livro Italianos no Brasil: Contribuições na Literatura e nas ciências: séculos XIX e XX, de Antônio Mottin e Enzo Casolino (Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999) publicou as seguintes obras: Modelo de Mãe ou Vida da Beata Ana Maria Taigi, em 1933; Cabriúna, poema, em 1950; O monumento, poema, em 1951; O Gênio do Pampa, poema cíclico do Rio Grande, em 1958; O diamante negro de Canoas – Tio Bastião Coelho, biografia, em 1960, e Pedro Tropeiro, poemeto, em 1971.

Religioso da Congregação de São Vicente Pallotti, exerceu suas atividades sacerdotais em diversas cidades, como Santa Maria, Cruz Alta e Porto Alegre, sempre se destacando nas comunidades onde viveu, tanto pelo seu ativismo como sacerdote como pelas iniciativas culturais.

Durante a fundação da Estância da Poesia Crioula salientou-se pelas intervenções, todas fiéis aos princípios preconizados pela Igreja Católica, e pelas preocupações com a preservação da memória histórica e cultural do Rio Grande do Sul. Tenho do poema O Gênio do Pampa – Poema Gaúcho a terceira Edição (Santa Maria: Livraria Editora Pallotti, s/d), com IMPRIMATUR datado de 25 de abril de 1958.

O Padre Pedro Luis conta no prefácio que escreveu para O Gênio do Pampa, que seu amor pelo Rio Grande nasceu quando, ainda menino, “mercadejava por Val de Serra os frutos da terra e outras traquitandas, cada semana”, ao lado do seu pai. Lembra as figuras dos negros “Dorotéio”, cujo verdadeiro nome era Doroteu, e de “siá Maria José de Oliveira, vulgo Maria Doceira – pau de coronilha, seu! – velha escrava do General Firmino de Paula”. Foi nesse ambiente campestre, entre a Serra e a Campanha, que se plasmou a personalidade lírico-épica do futuro poeta.

Luis Augusto Fischer, em Parnasianismo Brasileiro: Entre Ressonância (Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003) resume a importância dessa “escola literária”, à página 21, escrevendo que “reflexos do Parnasianismo ressoam entre nós em grande parte da poesia trivial que se prática pelo Brasil afora”. O mesmo professor escreve em outra página do seu estudo que o próprio Concretismo pagou tributos ao Parnasianismo.

Sobre Padre Luis Bottari, pesa, ainda, a influência de D. Aquino Correia (1885-1956), que pertenceu à Academia Brasileira de Letras, de 1926 até seu falecimento, como titular da Cadeira 34. O Arcebispo de Cuiabá, durante várias décadas, se tornou modelo para inúmeros poetas que passaram pelos seminários católicos, contribuindo para consolidar a influência parnasiana.

O Gênio do Pampa é a história do Rio Grande do Sul em versos. As notas que Padre Pedro Luis apõe aos seus versos demonstram um profundo conhecimento da historiografia sul-rio-grandense, até meados da década iniciada em 1950. O poema é todo escrito em redondilha maior (sete sílabas métricas), como a grande maioria da gauchesca.

Entretanto, enquanto os demais poetas do subgênero acentuam, mormente, na quarta e sétima sílabas, o poeta santa-mariense o faz na terceira e na sétima sílabas, o que confere um ritmo mais lento nos seus versos. Isso dá a impressão de que seus versos têm mais sílabas métricas do que apresentam. Trata-se de recurso, tipicamente “parnasiano”, para aproximar a redondilha do decassílabo, metro tradicional da poesia épica, apenas perceptível aos conhecedores das técnicas de versificação. Por outro lado, a maior parte do “Poema Gaúcho” é dividida em pequenos poemas, outra demonstração do domínio do poeta sobre a arte da versificação.

Transcrevo, a seguir um poema do Padre Pedro Luis, que consta às páginas 127 e 128 de O Gênio do Pampa.

O PIÁ DA ESTÂNCIA

Mora um piá em cada estância,
Piá de marca primitiva,
Que na vida, desde a infância,
Só vê triste perspectiva.
Mártir de aspas e terneiros,
Anda sempre em roda viva,
Como os zainos tafoneiros.

Vai descalço. Aberto o peito
Da camisa, nada zela;
De chapéu tapeado a jeito;
Calça lôbrega e amarela.
Letras, zero; lume, escasso;
Fuma oculto, com cautela,
E usa à cinta um palmo de aço.

Galopim de cem recados,
Guarda de almas, cusco e aves,
Sofredor de maus bocados;
Cria espúria de ares graves;
Corre à voz que grita e espinha;
Ceva o mate atalha entraves,
E resmunga na cozinha.

Velha vítima dos gritos,
Sonha um lenço colorado;
Traz os ecos dos aflitos,
E, qual fungo de silvado,
Cresce à toa e na desgraça,
Mas já pensa, consolado,
Desquitar-se na cachaça.

Órfão de almas, sem afeto,
Sem perfume de linguagem,
No galpão está sem teto,
Junto aos cães, que não reagem.
Come a um canto a vil merenda...
Flor crioula da paisagem,
Vive à margem da fazenda.

O Padre Pedro Luis exerceria uma grande influência sobre outros religiosos, como D. Luis Felipe de Nadal e o poeta Padre Potrilho (pseudônimo do Padre Paulo Aripe), falecido há pouco tempo. Muitos dos seus poemas continuam inéditos em livros, mas circularam em páginas de jornais como um deles intitulado Velho Cinamomo, que recolhi da 2ª página de O NACIONAL de 23 de setembro de 1961, onde o parnasianismo do poeta e meridiano.

Velho Cinamomo

Velho cinamomo – quincha
De esmeralda das moradas –
As guedelhas penteadas
De teu círculo sem frincha
São chapéus-de-sol caseiros,
São domésticos sombreiros,
Onde o vendaval relincha.

Pialos crus o céu te envia;
Em más horas embuçala
O esplendor de tua gala
– Fosco abano de agrestia,
Mas és sempre a fortaleza
Do frescor na quadra acesa
Destes sóis de luz bravia.

Ponche verde das fazendas,
Sentinela muda da eira,
Soltas tua cabeleira,
Basta e escura como as prendas,
No ombro da galhada opaca,
Já marcando de arma e faca,
Sem sinais de que te rendas.

Cobres ruas. Nas bodegas
És das rédeas firme estaca.
Teu roupão de folha ataca,
Dando abrigo, chuvas cegas.
Capital de sombra, ainda,
Dás-nos casa sempre linda
Que com teus carinhos regas.

Verde gorra em flor aquentas,
Dos declínios a arda garra,
Tosca, plástica, bizarra...
Eu também – feições poentas –
Quero andar de pago em pago,
Dando sombra e dando afago
No queimor e nas tormentas.