Foto: Angela Castilhos Teixeira
Poema: Cândido Brasil
CAMPO ABERTO
Campo aberto, sobejo... Onde o pago suspira,
O vento toca sua lira com um campeiro arpejo
E o senhor tempo, andejo, ao tranquito se embala,
Com seus passos de bengala, entre um e outro bocejo...
Campo aberto, moldura... De paisagens multicores,
De personagens, olores, espraiados na lonjura,
Com nuanças de ternura e adornos transcendidos,
Docemente concebidos do ventre da mãe natura.
Campo aberto, magia... No despertar das manhãs,
Com vozes anfitriãs ecoando na geografia,
Em rústica sinfonia decantada amiúde,
Com o hálito do açude saudando raiar do dia.
Campo aberto, altar... Para salmos, orações,
Galanteios e canções, na arte de conquistar,
Bandos de cores a voar, com gorjeios de alegria,
Espalhando poesia emplumada pelo ar.
Campo aberto, rocio... Capão de mato fechado,
Barbas de bode em bailado, sarandeando em estio,
Murmúrio de água no rio, cochichando num mergulho,
Espumas ao pedregulho com limos de arrepio.
Campo aberto, fortim... Feito de terra e de pedra,
Onde o verdejo se medra entre touceira e cupim,
Timbre com som de clarim em bico de bem te vi,
Proteção de "laus sus cri" e guarda de camoatim.
Campo aberto, remanso... De reses e cavalhadas,
Pelagens descortinadas no silêncio do descanso,
Seres de espírito manso a ruminar o capim,
Esperando pelo fim do senhor tempo em avanço.
Campo aberto, mundéu... Prendedor de tardes mansas,
Casulo de remembranças cabresteadas a lo léu,
Condomínio de téu-téu, que desperta num estorvo,
Com asas negras de corvo em cruz flutuando no céu.
Campo aberto, fronteira... Cortada por corredor,
Artéria que vai compor armas, brasão e bandeira,
Da velha pátria campeira que tem coração no mapa
E aos olhos se destapa no cruzar d’uma porteira.
Campo aberto, cartilha... De seleção natural,
Vertebrado e vegetal comungando maravilhas,
Sepilhado de coxilha com rodeios casuais
E saltos ornamentais de insetos nas flexilhas.
Campo aberto, memória... Na tarca de tempos idos,
Combates enaltecidos nas páginas da história,
Pretérita trajetória, pra formação no presente,
De um futuro decente,pra geração sucessória.
Campo aberto, reponte... De ágeis sombras andarengas,
Véus de nuvens avoengas que se desfraldam defronte,
No consagrado apronte do encontro em lampejo,
Do dia e noite num beijo, sobre a linha do horizonte.
Campo aberto, missal... De causos, lendas e medos,
Território de segredos em guarnição eternal,
Bênção de pia batismal com rosários sacrossantos,
Que espantam sarapantos dos ermos do matagal.
Campo aberto, encerra... De um mundo singular,
Com aura crepuscular, onde a visão se descerra
E o sentimento aferra, com sinete de certeza,
Que esta rural beleza é um naco do céu na terra.
Campo aberto, cenário... De coloridos matizes
Fauna e flora em raízes de perfeito relicário
E o senhor tempo, lendário, com sua sapiência certeira
Abre e fecha a porteira das folhas do calendário.