RETRATO DA SEMANA

RETRATO DA SEMANA

domingo, 13 de dezembro de 2020

BELÍSSIMA OBRA

 

Durante minha vida já tive diversas coleções. De tampinhas, álbum de jogadores, miniaturas de carros a canecos de baile de chope. A única que mantenho até hoje é a de arma branca. Sou um aficionado por facas e derivados. Minha coleção andeja dos famosos guerreiros Gurkhas, do Nepal, ao nosso chão gaúcho.  

Mesmo sem saber disto o grande cuteleiro Don Cássio Selaimen, na boca do ano passado, me disse que estava editando um livro sobre o tema e me solicitou uma poesia. Orgulhoso pelo convite pensei em algo diferente, que saísse do lugar comum. Meti a cabeça nas pesquisas e resolvi escrever versejando rimadamente a história deste instrumento cortante desde os seus primórdios até chegar nos dia de hoje. Acho que o resultado ficou a contento. 

Já sobre o livro de Don Cássio Selaimen, posso dizer que é um primor a começar pela qualidade do material. Capa dura, papel de primeira, desing gráfico, fotos e desenhos magníficos e a participação de grandes nomes do nosso regionalismo. São duzentas e noventa páginas carregadas de poesias, conhecimento, receitas da cultura regional, enfim, um documentário em forma de literatura.

Parabéns pelo belo trabalho, Don Cássio Selaimen e mil gracias pelo convite para participar desta obra prima que é o livro CUTELARIA DE AÇO, FOGO E ARTE. .   



      


FACA, PAIXÃO DO GAÚCHO

(Léo Ribeiro de Souza)

 

Não se precisa o momento,

mas vem da pedra lascada,

que a faca foi criada  

para cortar alimentos.

Faca, este instrumento

que alonga os nossos braços,  

que topou frio e mormaço,  

se impondo a talho e berro,

de início em bronze e ferro  

até a dureza do aço.

 

Em eras que lá se vão

a faca seguia o dono

ao partir pro eterno sono,

ao voltar pro mesmo chão.

Acompanhava o caixão

a parceira de valor.

Era como um fiador

pra garantir a jornada

nesta misteriosa estrada

na estância do criador.

 

Serviu de garfo nas mesas,

cortava e levava a boca

naquelas festas tão loucas

dos tempos da realeza.

Manejada com destreza

por barbarescos viventes

era palito pros dentes,

limpava e gloseava as unhas,

antiga peça terrunha

tira-teima dos valentes.

 

Foram sendo aperfeiçoadas

por povos escandinavos

soldados, guerreiros bravos

que as deixaram decoradas.

Suas lâminas incrustadas

por uns metais coloridos

da ponta ao cabo, ao comprido

tinham formas de animais.

Só ficaram nos anais,

memoriais dos tempos idos.

 

A sua fabricação,

em série, de modo afoito,

foi no século dezoito

no império do Japão.

Um primor de afiação, 

cortava tudo que vinha.

Eram facas de cozinha

também usadas nas lutas

vinham presas, as "Kazucas",

junto a espada na bainha.

 

Mas foi no Renascimento

seu ápice como talher

junto ao garfo e a colher

nos jantares suculentos.

Pra cada festa, o instrumento,

tinha um cabo laborioso.  

No feriado religioso

da Quaresma, era o marfim.

Em Pentecostes era assim:

Ébano escuro e lustroso.  

 

Então as cutelarias

chegaram até o Brasil

e virou moda febril  

mas meio assim, a la cria.

Contudo, passando os dias,

e de forma natural,

nossa Corte Imperial 

de origem portuguesa

foi descobrindo as belezas

de uma faca artesanal.

 

Depois da escolha do aço

começa o molde e a forma

tudo a martelo e bigorna

cimbrado a força do braço

cinco dias de puaços

normaliza, alinhamento,

desbasta, revenimento,

têmpera, puxa a espiga,

(palavreado a moda antiga)

até vir o polimento.  

 

A faca é uma escultura

de tantos povos bravios

lâmina com gume ou fio

e uma guarda bem segura.

Da ponteira a empunhadura,

desbaste liso ou vazado,

dorso velho respeitado

que o taura chama de "plancha"

que, por vezes, abre cancha

sem deixar ninguém cortado.

 

No Rio Grande, nosso chão,

de mil façanhas e glórias

a faca escreveu a história,

é a própria tradição.

Encravada num balcão

como cruz de algum paisano,

na cintura de um vaqueano

por esta pampa lendária,

faz parte da indumentária

do missioneiro ao serrano.

 

Nas lides de campo afora,

tirando tentos pra um laço,

picaneando algum churrasco

é usada a toda hora.

Em dueto com as esporas

rebrilha nas noites longas

telurismo que ressonga

nos versos que o vate exalta

nos borralhos, nas ribaltas,

no dedilhar das milongas.  

 

Findando o poema campeiro

eu quero saudar também

a Dom Cássio Selaimen

o mestre dos cuteleiros.

A sua marca é um luzeiro

num palácio, num galpão,

simbologia, brazão,

Rio Grande forjado em aço.

A ti, Dom Cássio, um abraço

e a nossa gratidão.