Durante minha vida já tive diversas coleções. De tampinhas, álbum de jogadores, miniaturas de carros a canecos de baile de chope. A única que mantenho até hoje é a de arma branca. Sou um aficionado por facas e derivados. Minha coleção andeja dos famosos guerreiros Gurkhas, do Nepal, ao nosso chão gaúcho.
Mesmo sem saber disto o grande cuteleiro Don Cássio Selaimen, na boca do ano passado, me disse que estava editando um livro sobre o tema e me solicitou uma poesia. Orgulhoso pelo convite pensei em algo diferente, que saísse do lugar comum. Meti a cabeça nas pesquisas e resolvi escrever versejando rimadamente a história deste instrumento cortante desde os seus primórdios até chegar nos dia de hoje. Acho que o resultado ficou a contento.
Já sobre o livro de Don Cássio Selaimen, posso dizer que é um primor a começar pela qualidade do material. Capa dura, papel de primeira, desing gráfico, fotos e desenhos magníficos e a participação de grandes nomes do nosso regionalismo. São duzentas e noventa páginas carregadas de poesias, conhecimento, receitas da cultura regional, enfim, um documentário em forma de literatura.
Parabéns pelo belo trabalho, Don Cássio Selaimen e mil gracias pelo convite para participar desta obra prima que é o livro CUTELARIA DE AÇO, FOGO E ARTE. .
FACA,
PAIXÃO DO GAÚCHO
(Léo
Ribeiro de Souza)
Não
se precisa o momento,
mas
vem da pedra lascada,
que
a faca foi criada
para
cortar alimentos.
Faca, este instrumento
que
alonga os nossos braços,
que topou frio e mormaço,
se
impondo a talho e berro,
de
início em bronze e ferro
até
a dureza do aço.
Em
eras que lá se vão
a
faca seguia o dono
ao
partir pro eterno sono,
ao
voltar pro mesmo chão.
Acompanhava
o caixão
a
parceira de valor.
Era
como um fiador
pra
garantir a jornada
nesta
misteriosa estrada
na
estância do criador.
Serviu
de garfo nas mesas,
cortava
e levava a boca
naquelas
festas tão loucas
dos
tempos da realeza.
Manejada
com destreza
por
barbarescos viventes
era
palito pros dentes,
limpava
e gloseava as unhas,
antiga
peça terrunha
tira-teima
dos valentes.
Foram
sendo aperfeiçoadas
por
povos escandinavos
soldados,
guerreiros bravos
que
as deixaram decoradas.
Suas
lâminas incrustadas
por
uns metais coloridos
da
ponta ao cabo, ao comprido
tinham
formas de animais.
Só
ficaram nos anais,
memoriais
dos tempos idos.
A
sua fabricação,
em
série, de modo afoito,
foi
no século dezoito
no
império do Japão.
Um
primor de afiação,
cortava
tudo que vinha.
Eram
facas de cozinha
também
usadas nas lutas
vinham
presas, as "Kazucas",
junto
a espada na bainha.
Mas
foi no Renascimento
seu
ápice como talher
junto
ao garfo e a colher
nos
jantares suculentos.
Pra
cada festa, o instrumento,
tinha
um cabo laborioso.
No
feriado religioso
da
Quaresma, era o marfim.
Em
Pentecostes era assim:
Ébano
escuro e lustroso.
Então
as cutelarias
chegaram
até o Brasil
e
virou moda febril
mas
meio assim, a la cria.
Contudo,
passando os dias,
e
de forma natural,
nossa
Corte Imperial
de
origem portuguesa
foi
descobrindo as belezas
de
uma faca artesanal.
Depois
da escolha do aço
começa
o molde e a forma
tudo
a martelo e bigorna
cimbrado
a força do braço
cinco
dias de puaços
normaliza,
alinhamento,
desbasta,
revenimento,
têmpera,
puxa a espiga,
(palavreado
a moda antiga)
até vir o polimento.
A faca é uma escultura
de tantos povos bravios
lâmina com gume ou fio
e uma guarda bem segura.
Da ponteira a empunhadura,
desbaste liso ou vazado,
dorso velho respeitado
que o taura chama de
"plancha"
que, por vezes, abre
cancha
sem deixar ninguém
cortado.
No Rio Grande, nosso chão,
de mil façanhas e glórias
a faca escreveu a
história,
é a própria tradição.
Encravada num balcão
como cruz de algum
paisano,
na cintura de um vaqueano
por esta pampa lendária,
faz parte da indumentária
do missioneiro ao serrano.
Nas lides de campo afora,
tirando tentos pra um
laço,
picaneando algum churrasco
é usada a toda hora.
Em dueto com as esporas
rebrilha nas noites longas
telurismo que ressonga
nos versos que o vate
exalta
nos borralhos, nas
ribaltas,
no dedilhar das milongas.
Findando o poema campeiro
eu quero saudar também
a Dom Cássio Selaimen
o mestre dos cuteleiros.
A sua marca é um luzeiro
num palácio, num galpão,
simbologia, brazão,
Rio Grande forjado em aço.
A ti, Dom Cássio, um
abraço
e a nossa gratidão.