RETRATO DA SEMANA

RETRATO DA SEMANA

domingo, 3 de maio de 2020

REPONTANDO DATAS / 03 DE MAIO



 
 
No dia 03 de maio de 1947, na localidade de Águas Frias, município de Tucunduva, nascia um menino que se tornaria um dos maiores cantores e divulgadores da região missioneira: Cenair Maicá. Filho de Armando Maicá, popularmente conhecido por “seu Mandico”, e Orcina Lamarque Maicá, desde a infância acompanhou seus pais na travessia do rio Uruguai, mantendo contato com as duas pátrias: Brasil e Argentina. Conhecia a realidade social dos dois lados. Cenair se criou no meio de balseiros e pescadores, vivendo nas carreiras (acampamentos no meio do mato) que existiam tanto do lado brasileiro quanto do lado argentino. Pelo fato dos pais residirem na Argentina, estudou o primário no colégio General Belgrano, em Três Pedras, Oberá (Misiones). Nesta localidade também conheceu um dos seus primeiros incentivadores para a arte da música, um paraguaio de nome Fernandes, que lhe ensinou a dedilhar o violão.

Aos três anos, Cenair cruzou a fronteira com sua família para viver em acampamentos de extração de madeira às margens do Uruguai. Este dado foi decisivo para a formação de sua personalidade musical. Criado no meio de madeireiros, balseiros e pescadores, absorveu desde cedo a musicalidade de suas formas de expressão. Com os peões argentinos e paraguaios que trabalhavam com seu pai, Cenair aprendeu os primeiros acordes da guitarra.

Quando era piá, ouvia histórias dos povos latino-americanos e das barbáries cometidas contra os índios. Mais tarde sofreu com a dura realidade do homem rural. Porém, também vivenciou momentos alegres em festanças com gaita e violão, o que lhe motivou a aprender a tocar.

Cenair Maicá apresentava em seu trabalho a relação com o rio Uruguai; a preocupação com os problemas do homem rural e o destino “dos herdeiros de São Miguel” que viviam à beira das estradas artesanando balaios para pão e “pinga”.

Esta convivência no meio de madeireiros, balseiros e pescadores, despertaria nele outro traço comum aos troncos missioneiros: a postura fraternal para com os países vizinhos.

Pode-se ouvi-lo dizer na entrevista gravada no Museu Antropológico Augusto Pestana: "A história missioneira não pertence somente ao Rio Grande do Sul, mas também à Argentina e ao Uruguai".

Músico desde os 10 anos de idade — quando começou a se apresentar em público ao lado de seu irmão Adelque — , Cenair fez sua entrada triunfal na história da música gaúcha ao vencer o 7º Festival do Folclore Correntino em 1970, em Santo Tomé, na Argentina com Fandango na Fronteira. Na apresentação, Cenair dividiu o palco com quem a havia composto: Noel Guarany. Foi a consagração de ambos e de cada um como artista e também dos esforços iniciados pelos dois e por Ortaça em 1966, quando lançaram um manifesto reivindicando a herança guarani e anunciando a intenção de criar, a partir dela, uma nova arte missioneira.

A vitória no 7º Festival do Folclore Correntino em 1970, em Santo Tomé, na Argentina rendeu a Cenair e Noel a gravação de um disco compacto, Filosofia de Gaudério (1970).

Em 1978, Cenair lançou "Rio de Minha Infância", o primeiro de sua carreira solo. Solo talvez não seja a palavra adequada: a produção e a direção couberam a Noel, autor, também, de quatro das dez músicas que o integram.

Com sua voz encorpada e ao mesmo tempo suave, Cenair gravou indelevelmente também seu nome entre os grandes da arte popular gaúcha. Homem e artista da melhor extração missioneira, colocou sempre sua voz e seu talento a serviço de sua terra e de sua gente. A exemplo e ao lado dos outros "troncos missioneiros" (seus parceiros e amigos Noel Guarany, Jayme Caetano Braun e Pedro Ortaça), personificou a identidade histórica e cultural de sua região. Também junto a eles, foi responsável por inserir as Missões no mapa histórico e cultural oficial do estado, desencadeando a redefinição de uma identidade gaúcha até então calcada quase exclusivamente na exaltação dos senhores feudais da região da campanha.

Cenair sabia dos obstáculos que existiam no caminho que escolheu. O enfrentamento com os monopólios fonográficos fazia parte de suas preocupações. "As multinacionais do disco infiltravam a música norte-americana" — recordou em uma entrevista, realizada em 1982 no Museu Antropológico Augusto Pestana — "mas nós tínhamos um compromisso de manter a cultura missioneira". Nisto, como em muitas coisas, comungava das mesmas ideias de seu parceiro Noel Guarany.

Cenair Maicá é, hoje, uma referência para todos aqueles que se propõem defender o patrimônio natural, histórico, cultural, econômico e, principalmente, humano do Rio Grande do Sul.

A biografia de Cenair tem também um outro aspecto — este de cunho trágico — Cenair viveu pouco. Aos 17 anos de idade, num acidente, Cenair perdeu um rim, o que veio, mais tarde a comprometer sua saúde e influenciar em seu falecimento, em 02/01/1989, após passar por um transplante. Em 1984 iniciaram os problemas de saúde, e o rim que ainda possuía começou a falhar. Necessitou fazer hemodiálise, debilitando ainda mais a saúde. Finalmente, em 1985 realizou o transplante de um rim, sendo o doador o irmão Darci Maicá. A penúltima internação hospitalar, em dezembro de 1988 teve como objetivo colocar uma prótese femural.

Em 2 de janeiro de 1989, Cenair Maicá falecia, deixando em seu registro musical um atestado de amor às suas origens e a prova de que através da música era possível contar a história de forma popular, dando voz à memória coletiva, alertando a todos dos erros cometidos no passado e a necessidade básica de fortalecer a identidade para construção de um futuro mais humano e social.

Foi construído um mausoléu na entrada do Cemitério Sagrada Família em Santo Ângelo, para homenagear o cantor, compositor e poeta missioneiro, Cenair Maicá.

O mausoléu tem dois pilares, um representando a música e o outro a poesia, com uma frase no centro :"Se meu destino é cantar, eu canto". Logo abaixo da inscrição, Cenair Maicá, Cantor Missioneiro, estão mais duas citações. Ao lado da data de nascimento e da sua morte, constam "Nasce o poeta" e "O mundo fica mais triste". Capas de seus discos e fotos também estão no local.

Outras duas marcas constantes do mausoléu, são a cruz missioneira e um violão, símbolo e material que Cenair sempre carregava, no peito e nos braços.