RETRATO DA SEMANA

RETRATO DA SEMANA

terça-feira, 5 de maio de 2020

ESTE ÔNIBUS ME LEVOU PARA A TRADIÇÃO


Na foto, Miguel Marafiga Ayres, que vendeu o ônibus para meu pai
Bernardino Souza  

Este ônibus marca International modelo D-30 pertenceu ao meu pai Bernardino Souza. Nele, fazia a "linha" Aratinga / São Francisco de Paula ali por meados da década de 60. Pelo seu formato, tinha o apelido de "Caixa de Fósforos". Quando lotava, os homens subiam para o bagageiro no "andar" de cima. Ninguém ficava na mão. Tal condução tinha horário para sair mas só Deus sabia quando voltava. Diversas vezes vi meu pai frear o carro no meio da estrada e o pessoal sair campo a fora atrás de uma mulita para a paçoca da noite.
Mas por que tal ônibus me levou para a tradição?
Por dois motivos. O primeiro porque o seu cobrador, o Evaldo, era gaiteiro e no longo percurso até a sede do município ele sentava no banco do fundo e ia treinando seu acordeom, ou seja, o povo viajava ao som de gaita. Eu, ali pelos meus sete, oito anos, quando não tinha aula ia junto e sentava ao seu lado maravilhado com aquilo tudo. Foi meu primeiro contato com a música gaúcha.
O outro e maior motivo pelo qual o "Caixa de Fósforo" me conduziu rumo ao gauchismo é que, aos domingos, boca da noite, meu pai que deixava o ônibus na frente de casa, retirava sua bateria (eletricidade era coisa rara) e conectava ao velho rádio à válvula, para ouvirmos o Grande Rodeio Coringa. Eu esperava ansiosamente por aquela reunião de família para se deliciar com este que foi um dos mais autênticos programas radiofônicos já realizados até hoje. Trovas, declamações, músicas, sorteios, causos, tudo ao vivo e com plateia presente. Ali eu creio que nasceu em mim a paixão por nossa cultura rio-grandense. Não raro os vizinhos vinham escutar o programa em nossa casa.
Os maiores nomes da música gaúcha como Teixeirinha e grandes trovadores como Gildo de Freitas passaram por este programa que catapultou a musicalidade regional gaúcha. Sob a condução de Darcy Fagundes e Luiz Menezes (anteriormente Paixão Côrtes e Dimas Costa também apresentaram), nossos finais de domingo naqueles ermos do Rio Grande do Sul ficavam alegres e muito mais gaúchos.
Ainda lembro até hoje a abertura do programa cantada por Luiz Menezes: Rodeio... Rodeio da ilusão / neste Rodeio apartei meu coração. / A Deus eu peço quando escuto este Rodeio / que bote também um freio no meu xucro coração / pra que depois eu não me lembre mais das prendas / nem dos olhos das morenas que a tempo a fora se vão.  
E porque estou tocando neste assunto neste momento? Porque a exatos 26 anos, isto é, num dia 05 de maio do ano de 1994, meu pai partia para a querência eterna. Quanta saudade de ti, meu velho!