RETRATO DA SEMANA

RETRATO DA SEMANA

domingo, 17 de maio de 2020

A TRADIÇÃO GAÚCHA PÓS-PANDEMIA


  
 

O mundo inteiro, em diferentes setores, preocupa-se com a chamada "pós-pandemia". A única certeza que se tem é que nada será como antes. Prevendo-se, com otimismo, que tudo se normalize entre os meses de julho e agosto, restarão os resquícios psicológicos, financeiros, estruturais... Na verdade temos que estar preparados para as mudanças que por certo ocorrerão. Como o interesse desta página é a cultura regional gaúcha, vamos opinar sobre a matéria.
Observem que escrevemos a palavra opinar e não afirmar. Portando, tais conclusões são passíveis de contraditório respeitoso pois não nos baseamos em estudos científicos, até porque a ciência depende de pesquisas minuciosas e demoradas até que se torne verdade absoluta e nem mesmo a ciência afirma, com precisão, quando a pandemia vai acabar e quais os rescaldos de tal tsunami.  
Também não pregamos aqui o alarmismo pois pensamos que a nossa tradição rebrotará mais verde e mais viçosa se soubermos observar e tirar proveito de algumas lições.   
O grande problema que vemos para um retorno gradual menos demorado nas tradições gaúchas esbarra numa palavra: AGLOMERAÇÃO, que é uma situação permanente neste meio, além do que, na visão de muitos administradores públicos, bailes, rodeios, festivais, shows artísticos, não são fundamentais para que a engrenagem funcione.

Mas como reagirão estes setores dentro do contexto geral de tradição?  
MTG - Vamos começar pelo Movimento Tradicionalista Gaúcho, entidade privada que tem a missão de organizar o tradicionalismo propriamente dito.  
É de conhecimento de todos as longas disputas que antecederam as eleições de janeiro deste ano quando, pela primeira vez na história, duas mulheres concorreram ao pleito. Só que esta bipolaridade que assola nosso Rio Grande do Sul desde os tempos de Chimangos e Maragatos não findou nas urnas, ao contrário. Por motivos que deixaremos de nominar para não assoprar esta brasa em cinza oculta, a posse da Presidente, Senhora Gilda Galeazzi, veio a realizar-se via justiça comum e isto gera uma forte oposição até os dias de hoje.
A partir deste episódio comecei a me inteirar mais sobre alguns meandros do MTG e percebo que a atual administração, dentro do possível e ante a situação involuntária já descrita, vem realizando um bom trabalho. Sua diretoria está conseguindo coordenar ações práticas de filantropia bem como a realização de alguns concursos virtuais, o que mantém a entidade na mídia. Além disso seus departamentos trabalham a todo o vapor para tomar pé da situação herdada pela administração anterior e buscar caminhos que não levem a erros passados. O recente Diagnóstico de Gestão Administrativa é uma prova disto. Sei de pessoas que chegam na sede da entidade as 8 h da manhã e saem as 8 h, da noite, ou mais.
Quanto a capacidade da atual diretoria em relação a realização dos eventos inerentes ao MTG, tudo são incógnitas e nem aquela tradicional e inevitável "torcida contra" pode ser exercida pois as diversas atividades então programadas foram canceladas.
Alguns Centros de Tradições reclamam de uma maior atenção por parte da entidade mãe a um possível socorro monetário, tipo baixar taxas ou mesmo desonerar o filiados da anuidade. Mal comparando, seria os clubes de futebol em relação a CBF. Quanto a isso não vou opinar pois desconheço as minúcias de como funciona e não sei até que ponto uma simples ajuda financeira seria possível ou mesmo legal. Por outro lado penso que a inadimplência dos filiados deva ter se acentuado.
CTG - Quanto aos Centros de Tradições Gaúchas em si pensamos que chegou na hora de, sem abandonar o voluntariado que caracteriza o Movimento,  uma semi-profissionalização na administração das entidades. Sabemos que muitos CTGs sobrevivem do amor de meia dúzia de abnegados mas, resguardado o carinho familiar característicos de muitos Centros, o paternalismo não pode mais ser o condutor de associações. Perguntamos: Todos os CTGs possuem um guarda-livro (contador) de eficácia? Quantos prestam contas de seus balanços financeiros e patrimoniais a seus associados? Existe alguém com algum conhecimento na área de marketing entre a diretoria? Ocorre previsão orçamentária? O que a sua sociedade tem a oferecer de atrativo aos sócios?
O improviso é bonito numa trova, jamais numa administração. Sabemos que muitos Patrões se viram como podem para saldar os débitos, tirando dinheiro do próprio bolso. E não são um e nem dois. Sabemos, também, que os bailes, outrora uma boa fonte de lucro, não são mais como antigamente. A própria comunidade que envolve a entidade não comparece. Preferem ficar olhando um filme no conforto do rancho. Em relação aos já minguados sócios, imaginamos que a inadimplência deva passar dos 50 %. Assim torna-se difícil administrar, fator que requer uma patronagem enxuta, objetiva, transparente e criativa.
Na nossa visão algumas entidades que já vinham rengueando de uma perna só vão passar por extrema dificuldade pós-pandemia. Contudo, se as lições forem observadas e aprendidas, os Centros de Tradições Gaúchas rebrotarão ainda mais fortes.
Os Festivais Nativistas - Este é um setor cultural que preocupa a classe artística como um todo. Músicos, compositores, produtores culturais, organizadores de eventos, técnicos de som... e para o mal dos pecados será uma das últimas atividades a ser liberada pois depende de público, ou seja, de aglomeração. Da mesma forma, não é vista, como já dissemos, como essencial. Alguns, até, não consideram a atividade de músico como profissão. Um absurdo e uma falta de respeito para com estes profissionais.
Dezenas de festivais foram suspensos ou adiados. Em face dos prazos, alguns projetos já aprovados pelas leis de incentivo a cultura perderam eficácia e a grande maioria perdeu, ainda, algo essencial, ou seja, o patrocínio. Sabemos que o apoio de empresas não afetam seu caixa pois os valores destinados a cultura são abatidos dos impostos das mesmas, contudo, muitas firmas faliram ou, no mínimo, voltarão com seus olhos fixos na própria reestruturação.
Algumas poucas prefeituras que simplesmente bancavam os eventos em troca da projeção do nome da cidade poderão fazê-lo, desde que seus cofres não sejam atingidos por este efeito dominó que se abaterá sobre as arrecadações como um todo.  
Os Rodeios - Esta, possivelmente, será uma da atividades culturais que menos sofrerá no pós-pandemia. Com a chegada do inverno no Rio Grande do Sul os rodeios, automaticamente, tendem a diminuir voltando com força a partir de setembro, mês em que, se espera, as medida restritivas já estejam mais flexíveis. Outro fator que favorece os rodeios é seu ambiente aberto. Pelo lado econômico, o rodeio bem organizado praticamente se paga com as inscrições dos participantes (laçadores).
Os Artistas - A classe dos artistas regionais, incluindo neste bloco os grupos de bailes, os nativistas, enfim, pessoas que dependem de sua arte para sobreviver, sem dúvida alguma foram os mais prejudicados com este distanciamento social. Simplesmente ficaram sem trabalhar, na noite, nos bailes, nos espetáculos... As lives que tornaram-se uma válvula de escape serviu mais para arrecadação de alimentos e para manter os artistas em evidência. São três meses sem trabalho. Que empresa suporta isto? Somente aquelas que tem "sebo nos rins", ou seja, os grandes grupos de bailes e os artistas músicos e cantores de renome vão se defendendo como podem, mas estes são uma grande minoria. Até o ECAD esmoreceu nesta hora em que seus filiados mais necessitavam.
O engraçado disto tudo é que nós todos precisamos da arte, da música, da dança, do cinema, de espetáculos, mas na hora de dar uma ajuda eficaz a quem nos proporciona tais prazeres, a coisa ficou como tosa de porco, isto é, muito grito e pouca lã.  
Os Eventos - Precisamos acreditar que tudo voltará ao normal, mas em quanto tempo? Falamos aqui em reestruturação organizacional, econômica e até psicológica. As festas ajudam neste contexto. Temos pela frente, dentro de nossa seara cultural regionalista, cronologicamente, a Exposição de Esteio que já está com sua realização sendo divulgada. Entretanto, ainda não ouvimos a palavra do governador do Estado em relação a esta festividade. Muitos acreditam que tudo não passa de uma forma de pressão do agronegócio para a sua realização.
Logo em seguida, no mês de setembro, acontecem desde 1957, as comemorações farroupilhas. A Comissão dos Festejos Farroupilhas capitaneada pela Secretaria de Cultura do Estado não deixou de reunir-se neste meio tempo tendo como parâmetro que tudo vá acontecer, talvez não com a mesma normalidade, mas com o pensamento que, de uma forma ou de outra, não deixemos de comemorar os feitos dos farrapos.
Uma pedra no calcanhar dos organizadores é o Acampamento Farroupilha de Porto Alegre evento tradicional mas que vai contra o que o prefeito Nelson Marchezam Júnior apregoa, ou seja, a famigerada aglomeração. São 360 ranchos que precisam de maior espaço, ou seja, aumentar o terreno do parque ou diminuir drasticamente os próprios galpões. E como controlar a proporcionalidade de pessoas dentro de cada galpão? E o ingresso no parque que, em fins de semana, chega a abrigar 100 mil pessoas? Sou testemunha de que o MTG, a Comissão dos Festejos Farroupilhas e a Comissão Municipal, estão trabalhando com afinco na busca de soluções e, caso o acampamento e o desfile ocorram, estarão preparados.   
Próximo do fim do ano acontece o maior encontro de artes da América do Sul, o ENART, missão para a nova diretoria do Movimento Tradicionalista Gaúcho. Também paira no ar a sua plena realização pois todos correm contra o tempo quanto as chamadas inter-regionais que nada mais são do que etapas classificatórias para a grande final em novembro em Santa Cruz do Sul e que normalmente ocorrem nos meses de agosto, setembro e outubro. Mas e a preparação das invernadas em si, acontecerão quando se os seus ensaios não forem liberados?
Como vimos foram muitos questionamentos e poucas respostas. Tendo como propósito maior salvar vidas esperaremos, com calma, com compreensão, sem pressão nos órgãos competentes. Se o mundo nos pregou esta peça em 2020, vamos fazer do limão uma limonada e vir com mais força e mais organização mas, principalmente, com mais humanidade no ano vindouro. Para tanto, alguns hábitos necessariamente terão que ser alterados tais como:

MTG - Abrir um canal de comunicação com as entidades filiadas mostrando mais transparência nos seus atos pois as coordenadorias regionais que são o elo desta corrente, por vezes, não cumprem sua parte. Acreditamos que o recadastramento que está sendo efetuado pela nova diretoria é o primeiro passo. 

CTG - Achar um meio facilitador de trazer novamente a juventude para dentro de seus quadros bem como interagir mais intensamente com a sua comunidade. A criatividade tem que imperar pois o Centro de Tradições que for tentar sobreviver só de minguadas bailantas está fadado ao fechamento.

Os Festivais Nativistas - Necessitam de renovação. Há quantos anos não surgem novos valores? Outro fato a ser repensado envolve a credibilidade destes eventos. A organização tem que preocupar-se em desfazer as famigeradas panelas que afastam demais concorrentes. Da mesma forma um festival tem que envolver a comunidade o ano inteiro, principalmente o estudantes.

Os Rodeios - Tem que valorizar mais os artistas gaúchos. Está muito em voga a terceirização dos espetáculos e bailes dos rodeios tudo com o intuito de "tirar o corpo fora" da responsabilidade pelas contratações. O que devemos observar é que o nome da entidade promotora está em jogo.

Os Artistas - Tem que trabalhar com mais união, coisa que, atualmente, não existe. É um querendo derrubar o outro por cachê mais barato. Outro fator importante é a adaptação aos novos meios de divulgação e arrecadação. Aquele tempo de vender 100 mil discos não existe mais assim como não existe mais as gravadoras brigando a tapa pelos artistas mais destacados. Hoje tudo é muito rápido. Só não acreditem que a música jocosa seja o caminho para o sucesso.

Teria mais mas... por enquanto era isso.

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