Foi num dia 25 de janeiro, do ano de 1898, que assumia a presidência do Estado o caçapavano Borges de Medeiros, o “Antônio Chimango”(livro satírico de Ramiro Barcelos, seu inimigo político), pessoa que por mais tempo governou o Rio Grande do Sul, sucedendo seu padrinho político Dr. Júlio Prates de Castilhos.
Também foi num dia 25 de janeiro, mas do ano de 1923, que o mesmo Borges de Medeiros frauda as eleições e assume pela terceira vez a presidência do RS. Desta feita os gaúchos inconformados, pegam em armas contra o ato. Inicia-se, então, a sangrenta revolução Maragatos x Chimangos.
Como percebe-se, o dia 25 de janeiro tem fortes ligações com esta figura histórica, Borges de Medeiros, pois foi, novamente, num dia 25 de janeiro, do ano de 1928, que Getúlio Dornelles Vargas assume a presidência do Estado substituindo, exatamente, Borges de Medeiros.
MAS O QUE FOI A REVOLUÇÃO DE CHIMANGOS E MARAGATOS?
A Revolução de 1923 foi o movimento armado ocorrido durante onze meses daquele ano no Rio Grande do Sul, em que lutaram, de um lado, os partidários do presidente do Estado, Borges de Medeiros (borgistas ou Chimangos, que usavam no pescoço como característica o lenço branco) e, de outro, os revolucionários, aliados de Joaquim Francisco de Assis Brasil (assisistas ou maragatos, que usavam no pescoço o lenço vermelho).
Republicano e positivista, mas nada simpático à democracia, Júlio Prates de Castilhos, o Patriarca, como era chamado, governou o Rio Grande do Sul com mão de ferro de 1891 até sua morte prematura, em 1903. Para se manter no poder, tomou duas providências: redigiu praticamente sozinho e fez aprovar uma Constituição autoritária e montou uma poderosa máquina política no Partido Republicano Rio-grandense (PRR), com seus incontáveis chefes locais e seu séquito de agregados, presentes em mais de cem municípios rio-grandenses. Ao morrer, ficou claro que se fora o ditador, mas a ditadura republicana continuava viva.
Borges de Medeiros
Castilhos foi substituído na presidência do Estado por Borges de Medeiros, que seguiu adotando os mesmos métodos e que também tinha como objetivo perpetuar-se no poder. Em 1922, Borges resolve se candidatar mais uma vez à presidência do Estado e contava, como sempre, com a força do PRR, que não hesitava em apelar para a fraude e a violência, para garantir a reeleição.
Todavia, dessa feita, há um fato novo: forma-se uma aliança entre vários segmentos da sociedade gaúcha para estimular uma oposição organizada. O veterano político Assis Brasil desafia Borges na disputa nas urnas.
Divide-se, assim, o Rio Grande, entre borgistas ou chimangos (numa alusão ao pseudônimo dado a Borges por Ramiro Barcelos, Antônio Chimango) e assisistas ou maragatos (como eram chamados os adeptos do Partido Federalista, identificados pelo uso do lenço vermelho).
A campanha eleitoral ocorre sob um clima de repressão e violência. Opositores do governo são presos, espancados e até mortos. Locais de reunião dos assisistas são fechados e depredados pela polícia borgista.
Quando se anuncia o resultado das urnas, com a previsível vitória de Borges de Medeiros, a revolta é geral. A comissão apuradora de votos, formada por pessoas fiéis ao governo, é acusada de fraude eleitoral pela oposição. A disputa nas urnas transforma-se em disputa pelas armas. A oposição, liderada por Assis Brasil, adere à revolta armada para derrubar Borges de Medeiros, que toma posse para um novo mandato em 25 de janeiro de 1923.
Setores importantes da sociedade gaúcha já andavam descontentes com o governo. A política econômica de Borges precipitara o Estado numa crise financeira que contribuíra para descontentar tanto a elite estancieira como boa parte do movimento operário e estudantil. No plano nacional, Borges se isolara ao fazer oposição à candidatura de Artur Bernardes, afinal eleito Presidente da República.
Em verdade, o ódio entre as facções era mais antigo. Vinha desde a Revolução Federalista de 1893, que teve como marca a degola, dilacerando vidas e trazendo desgraça e tristeza para muitas famílias. Essa Revolução deixou sentimentos de vingança e violência em muitos corações, que teve quase continuidade na Revolução de 1923.
Os combates se iniciaram ao final de janeiro. As cidades de Passo Fundo e Palmeira das Missões foram atacadas pelos caudilhos maragatos vermelhos de Mena Barreto e Leonel da Rocha, que encontraram forte resistência de ambos os lados, não havendo vitória.
A expectativa de Assis Brasil e seus aliados, ao partir para a luta armada, era a de que o Presidente da República Arthur Bernardes, que não nutria simpatias por Borges, decretasse intervenção federal no Rio Grande do Sul. Mas Borges, um político hábil, se aproximou de Bernardes e frustrou as expectativas de seus opositores.
Os maragatos, que não estavam devidamente organizados para enfrentar as forças governistas, nem tinham objetivos militares definidos, ficaram confusos ao verem que a pretendida intervenção federal não viria. A continuidade da luta dependia das ações isoladas empreendidas por caudilhos como Honório Lemes e José Antônio Matos Neto, o Zeca Netto. Mas as operações militares ficavam restritas a regiões distantes de Porto Alegre e não conseguiram causar dano às forças dos borgistas. Logo os maragatos começaram a se ressentir da falta de homens e de armas.
Para Assis Brasil e seus aliados mais lúcidos, ficou claro desde logo que não havia possibilidade de vitória militar; por isso, manifestaram disposição de negociar com o lado contrário.
A Campanha de São Francisco de Assis
Na madrugada de 2 de outubro, um maragato estava encilhando cavalos nos arredores do centro de São Francisco de Assis, quando foi atacado e morto por borgistas que haviam escavado uma trincheira naquele local. Foi a gota d’água. A cidade amanheceu cercada e um exército de aproximadamente 700 revolucionários atacou de forma suicida. Protegidos por sacos de areia colocados nas ruas que davam acesso à praça, 80 homens das tropas governistas resistiram abrindo fogo. Mesmo com várias baixas, a supremacia dos maragatos permitiu que a coluna continuasse avançando. Carlos Gomes percorria as trincheiras tentando animar os companheiros, quando foi atingido por vários tiros. “...o sangue espadanara por toda parte: manchando trincheiras, calçadas, portas, telhados das casas e o próprio salão da Intendência”, escreveu Flores da Cunha, governador do Estado, recordando sua passagem por São Francisco de Assis um dia depois da peleja.
Zeca Netto, que se opunha a qualquer acordo com Borges, tentou uma última cartada. Imaginou que se atacasse e tomasse uma cidade importante poderia intimidar os borgistas. Assim, em 29 de outubro, atacou Pelotas, então a maior cidade do interior gaúcho, de surpresa, ao alvorecer, mas a manteve sob seu controle por apenas seis horas, porque as hostes governistas conseguiram se rearticular e receber reforços. Na iminência de ser atacado por forças superiores, o velho caudilho de 72 anos de idade retirou suas tropas, sem ter havido batalha, como ocorreu em São Francisco de Assis.
A partir deste episódio, os maragatos já não tinham condições de seguir lutando. Por iniciativa do governo federal, realizaram-se negociações comandadas pelo ministro da Guerra, general Fernando Setembrino de Carvalho, com a participação do senador João de Lira Tavares, representante do Congresso.
Em dezembro de 1923, pacificou-se a revolução no Pacto de Pedras Altas, no famoso castelo daquela localidade, residência de Assis Brasil. Pelo Acordo, Borges pôde permanecer até o final do mandato em 1928, mas a Constituição de 1891 foi reformada. Impediu-se o instituto das reeleições, a indicação de intendentes (prefeitos) e do vice-presidente do Estado.
O acordo foi importante para o Rio Grande do Sul. O sucessor de Borges no governo gaúcho foi Getúlio Vargas, lenço branco. Em 1930, a Frente Única Rio-grandense, sob sua liderança, assumiu o governo do país, na Revolução de 1930.
A Revolução de 1923 é narrada de forma romanceada por Erico Verissimo no livro O Arquipélago, terceira parte da trilogia O Tempo e o Vento.
Momento do Tratado de Paz das Pedras Altas
Assis Brasil é o primeiro a direita
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