Esta semana, após 63
anos andejando por este mundão, entrei pela primeira vez em um hospital para um
procedimento cirúrgico. Coisa mediana, mas só o fato de ser anestesia geral me
deixou encagaçado. Foram três horas e meia de bisturi neste corpo véio que os
tatus de cemitério vão comer por inteiro, algum dia.
Mas o pior foi o tempo
que fiquei na Sala de Recuperação. Foram cinco horas vendo de tudo num ambiente
triste, pesado, dolorido. Ali eu me consolei pois meu caso era flor perto de
tantos. Ali eu percebi o quanto somos minúsculos perante tudo isto que chamamos
vida.
Quando, finalmente,
cheguei no quarto e me olhei no espelho, rosto inchado, ele (o espelho) veio
com a mesma prosa de todas as manhãs quando começo meu dia. Só que desta vez lhe
retruquei.
Começou assim a
ladainha:
- Tchê. Tu DEVES tirar
retrato SEMPRE de bombachas!
- Tchê. Tu TENS que
emagrecer. NÃO PODE comer doces. Repara teu diabetes. Pegou teus remédios?
- Tchê. Tu NÃO DEVES chorar em público. PARA de te vitimizar com
saudade dos teus filhos!
- Tchê. NÃO postas
fotos em restaurantes. Quantos por aí mal tem o que comer!?
- Tchê. Não postas
fotos de viagens. Quantos conhecidos teus estão trabalhando nestas horas (ou
nem tem emprego)!?
- Tchê. NÃO escrevas
sobre futebol. Tu tens amigos colorados!
- Tchê. NÃO escrevas
sobre política. Tu tens amigos "coxinhas e petralhas"!
- Tchê. Tu TENS que manter
tolerância com as opiniões nas redes sociais e com os conchavos nos festivais!
- Tchê. Tu TENS que parar
de escrever poesia rimada e metrificada. A moda hoje é a prosa descompromissada,
em textos longos!
- Tchê. Tu TENS que
cortar teu cabelo!
- Tchê.... - CHEGA, gritei.
Passamos tempo demais nos julgando! Isto é cansativo! Quero ser feliz do MEU
jeito!
E só não quebrei o espelho porque era do hospital. Mas o meu, que não venha mais se fresquear.
E só não quebrei o espelho porque era do hospital. Mas o meu, que não venha mais se fresquear.