RETRATO DA SEMANA

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terça-feira, 29 de janeiro de 2019

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Músico Lúcio Yanel faz serenata para a esposa com Alzheimer: 'A alma dela deve estar lá'
Chef de cozinha Sueli de Fátima Teixeira, de 62 anos, foi diagnosticada com doença há 10 anos. Música tem aliviado as crises de choro da esposa e aproximado o casal, junto há 25 anos.
Por Lilian Lima, G1 RS

Músico faz serenatas diárias para a esposa, diagnosticada com Alzheimer 
Foto: Lúcio Yanel/Arquivo pessoal

As serenatas na casa do músico Lúcio Yanel, 72 anos, têm ganhado um motivo especial. Morando em Caxias do Sul, na Serra do Rio Grande do Sul, o violinista e folclorista argentino, radicado no Brasil, usa a música para se aproximar da mulher, a chef de cozinha Sueli de Fátima Teixeira, de 62 anos, diagnosticada com Alzheimer há uma década.
"A alma dela deve estar lá. Tenho feito isso todos os dias. Pego o violão, toco para ela, tento me comunicar pela música. Às vezes ela tira o olhar de um ponto fixo e olha para mim. Faço isso para atrair sua atenção, penetrar na sua alma", conta o compositor.
No estágio mais grave da doença, ela não fala e passa os dias na cama. Na última quarta-feira (23), Yanel publicou uma foto no Facebook em que toca para a esposa. A publicação já teve mais de 62 mil compartilhamentos.
"Já faz alguns anos, que o maldito Alzheimer, vai me roubando a minha amada companheira. E para que me sinta ao seu lado, minhas serenatas diárias. Ela é Sueli de Fátima, amada companheira, tu é o meu melhor público", escreveu Yanel na publicação.
A foto foi tirada pelo filho do casal, Pedro, de 24 anos. "Foi espontâneo. Dificilmente conseguimos transportar ela da cama. Naquele dia pedi ajuda para meu filho. 'Vamos levar ela para ver o lindo sol, um lindo dia. Quem sabe dá uma reação e acontece alguma coisa'".
Juntos há 25 anos, o casal se conheceu em Porto Alegre, quando o músico esteve no restaurante em que Sueli trabalhava. Os dois eram viúvos e tinham filhos de outros casamentos. "Quando vi aquela belezura, aquela gaúcha forte, me apaixonei".
Foi a gastronomia que fez a família perceber os primeiros sintomas da doença. Sueli passou a esquecer receitas e já não cozinhava mais. "De repente ela não sabia nem fazer carreteiro".
Para Yanel, ver a mulher, que sempre foi ativa, perder o controle da própria vida gera angústia e impotência. "Tudo que eu faço parece que é pouco. Uma mulher simples, forte, inteligente. Nada fazia pensar que poderia ter esse enlace na vida. É uma chamada para todos nós. Parece que estamos bem e já não somos nada. E não somos nada".
Na tentativa de chamar a atenção de Sueli, o músico explora as canções favoritas da esposa antes da doença, principalmente as músicas gaúchas antigas. "É um momento em que tentamos adoçar a vida dela. Quando eu consigo fazer ela parar de chorar com minhas canções, eu consigo emocionar meu melhor público".
No Brasil há 40 anos, Yanel é considerado um dos fundadores da "escola do violão gaúcho", da qual Yamandú Costa é um dos nomes mais representativos. O violonista tocou ao lado de músicos argentinos consagrados como Astor Piazzolla, Mercedes Sosa, Atahualpa Yupanqui e Antonio Tarragó Ros.
No Rio Grande do Sul, participou de inúmeros festivais e gravou com Gilberto Monteiro, Joca Martins, Luiz Marenco, Bebeto Alves, Jayme Caetano Braun e César Oliveira e Rogério Mello, além de ter composições ao lado de Renato Borghetti, Noel Guarany, Gaúcho da Fronteira e Luiz Carlos Borges.
Apoio para as famílias
Yanel e Pedro se revezam nos cuidados com Sueli. O violinista chama a atenção para para a falta de uma rede de apoio para famílias com pacientes diagnosticados com Alzheimer. "Há que se criar centros de cuidado e informar os familiares. As famílias precisam de voluntários. Essa doença precisa ser tratada em grupos familiares. É difícil acompanhar o cotidiano de um paciente".
O compositor relembra a dificuldade do início do tratamento e da falta de informação de como lidar com a esposa depois do diagnóstico. "Meu grupo familiar sou eu e meu filho. São duas pessoas se quebrando e chorando juntas nessa situação. Nós, familiares, precisamos de todos os tipos de ajuda".
Alzheimer
O Alzheimer é uma doença neurodegenerativa, causada pela morte progressiva de células do cérebro, prejudicando funções como memória, atenção e orientação e linguagem, o que gera graves consequências para qualidade de vida dos pacientes. A doença não tem cura.
No Brasil, estima-se que existam cerca de 1,2 milhão de pessoas com Alzheimer - são cerca de 100 mil novos casos por ano. Não se sabe a causa da doença, mas o modo de ação dela vem normalmente de uma proteína chamada betamiloide, que se deposita no cérebro em algumas áreas específicas, vai formando placas e causando danos na comunicação dos neurônios.