Esta entrevista com o cantor
e compositor gaúcho Mano Lima sobre a arte de empreender na música e na vida, traz a assinatura da Jornalista e Documentarista da KSS Comunicação, Karin Schmidt, a qual, junto com o escultor Vinícius Ribeiro, agradecemos pela remessa da matéria.
MANO LIMA: ENTRE A
GAITA E O CHAPÉU
Que suas canções são
alegres, engraçadas e que ele sempre fez questão de manter seu estilo em todas
elas, não é novidade. Agora, que em sua essência está um homem que tem na fé e
na simplicidade a grande missão para empreender na música e na vida, talvez nem
todos saibam. Reconhecido internacionalmente como Mano Lima, este é o tropeiro
e músico gaúcho, Mário Rubens Batanolli de Lima, natural de Itaqui e nascido no
Bororé, atual distrito de Maçambará.
Com 65 anos de idade,
Mano Lima já consegue se manter só da música, mas por muito tempo trabalhou
como tropeiro. E foi aí que percebeu os encantos do Rio Grande, que sempre
transmitiu em suas músicas.
Tinha 8 anos de idade
quando o avô faleceu. O pai ficou cuidando das terras no Bororé com a ajuda
dele, enquanto os outros sete irmãos estudavam. Mais tarde, dificuldades
financeiras obrigaram o pai a vender a propriedade e ir morar com a família em
São Borja, o que significou um novo rumo profissional na vida de Mano Lima.
Aos 20 anos de idade
foi trabalhar como capataz de estância e tropeiro. Depois, teve uma comitiva de
tropa e se tornou um tropeiro de respeito. O primeiro salário foi para ajudar
sua mãe, que cozinhava fora para auxiliar no sustento da família.
Mesmo sem se dar conta,
Mano Lima sempre teve o artista em seu coração. Mas, foi preciso muito tempo,
além da insistência e da mão abençoada de um grande amigo, o poeta e escritor
gaúcho, Aparício Silva Rillo, para que ele acreditasse que o sucesso já estava
escrito em seu caminho.
Mais do que abrir a
porteira de sua estância, a Fazenda Santa Cecília, para tão bem me receber,
localizada próxima ao município de São Boja, Mano Lima abriu seu coração e
falou sobre sua história de vida, que é movida pela fé e pela humildade.
É claro que seu lado
engraçado, uma de suas caraterísticas peculiares, também esteve presente em
grande parte da nossa conversa. Ao contextualizar alguns relatos, ele disse: “o
homem se ajeita nas lutas que passa, pois o laçaço da vida dói em quem leva”.
Neste depoimento
singelo dá pra ter uma ideia de como surgiu o grande artista Mano Lima, um dos
representantes da cultura terrunha e da música gaúcha, que escolheu a região
das Missões pra viver e deixar o seu legado. O mais recente CD de Mano Lima
chama-se ‘De Pai pra Filho’, com a participação especial de seu filho, Pedro
Lima, que o acompanha nos shows.
Ele manda um importante
recado para quem quer empreender na música ou qualquer outra área de atuação.
“Não façam o que Mano Lima fez. Quando um amigo surgir e disser que você é
capaz. Acredite e vá em frente. Mas antes de tudo isso, precisa ter fé. Confie
em Deus e seja grato, pois somente Ele vai te levar até onde você quer chegar”.
POETA E CRIADOR DE MANO
LIMA Mano Lima - Num certo dia meu pai me pediu pra assar uma carne para o
poeta e escritor gaúcho, Aparício Silva Rillo. Bueno, ali toquei minha gaita e
cantei alguma coisa. Como eu sempre fazia pelos galpões, mas sem nenhum
compromisso, porque o meu trabalho era como tropeiro. Logo depois, eu soube que
quando o Rillo chegou em casa, disse pra mulher: hoje conheci um verdadeiro
artista. Dali em diante ele passou uns 10 anos tentando botar na minha cabeça
que eu era artista, e eu sempre teimando que não. Rillo dizia o tempo todo que
eu era capaz e pra minha mãe
sempre repetia: teu filho é um artista. Mas de nada adiantava, porque eu, assim
como a minha mãe, sempre botava ele pra correr.
PRIMEIRO DISCO Mano Lima - Até que um dia, por volta dos
meus 30 anos de idade, como eu não aguentava mais a insistência do Rillo, mesmo
contrariado gravei o tal de disco, que teve o apoio financeiro do Tono Pinheiro
e do Grupo Costanera. Ainda lembro bem que quando cheguei em casa disse pra
mãe: agora que gravei o disco, o Rillo vai parar de me incomodar. Quando chegou
o disco na rodoviária de São Borja, o Rillo foi me buscar. Minha amiga, eu
nunca esqueci do semblante e da emoção dele assim que viu a capa. Segurava
aquilo nas mãos como se fosse um filho. E eu, ainda não via nenhum fundamento e
só ficava pensando: o que vou fazer com essas caixas cheias de discos?
O SUCESSO Mano Lima - Peguei as caixas e levei pra
casa. Minha mãe com a casa apertada, mais preocupada em arrumar comida pra nós.
O jeito foi colocar tudo no meu quarto. Quando passava alguém na rua, eu dava
um disco pra ir me livrando daquelas caixas. Às vezes nem era meu amigo, e eu
dizia vem cá vou te dar um presente. Até que terminei com tudo. O disco
estourou e foi sucesso de uma maneira que não pude mais parar em casa. Uma das
músicas carro-chefe do primeiro disco foi ‘Como é que eu tô nesse Corpo’.
Estourou valendo e eu tive que saltar de casa, porque o Rilo falou: tu vai pro
palco te apresentar. E eu apavorado, pois não sabia nem o que era um palco. Nós
tínhamos uma lista de shows, mas nem preço tinha. Era um lote de show marcado e
o preço era de acordo com a situação.
PRIMEIRO SHOW Mano Lima
- Cheguei em Santiago, no Ginasião, pra fazer meu primeiro show e tinham 10 mil
pessoas me esperando. O Eurides Nunes me acompanhou. A partir daí fui pegando
os macetes da música e da vida, pra chegar onde estou hoje. Eu não tinha conhecimento
nenhum, não sabia nem que tom eu tocava, que era em Dó maior. Fui pegando o
jeito na estrada, viajando e aprendendo como lidar com tudo aquilo.
UM POETA, UM ILUMINADO
Rillo sempre me dizia: fala o que vem da tua cabeça e do teu coração. E nunca
grave o que é dos outros. Grava o que é teu, que o teu segredo está no que é
teu! Ele sempre teve razão e eu não sabia, pois sempre soube da minha
capacidade, enquanto eu não conseguia enxergar e nem acreditar. Ele era mais
que um poeta. Era um ser iluminado. Mano Lima foi Rillo que criou. Tem o pai do
Mário Rubens, amigo e que me ajudou a crescer como homem, o Rubens Colombo
Lima, e tem o pai do Mano Lima, que é Aparício Silva Rillo.
ENTRE A GAITA E O
CHAPÉU Eu participava do grupo os Angueras, porque ainda não estava
independente. Por causa disso precisei vender a gaita pra comprar o chapéu e ir
pra tropa, na condição de que quando eu voltasse, o cara me vendesse de novo.
Deu certo, pois com o dinheiro da tropa comprei de volta a minha gaita. Passei
por muitas dificuldades até pegar o jeito e aceitar que eu era um artista. Hoje
fico pensando o quanto o Rilo teve valor na minha vida. Tudo o que ele dizia
era realmente verdade. E nunca deixei de ser o Mano tropeiro, que sempre esteve
dentro de mim. Músico sou por acaso, porque o Rillo disse que sou. Mas tropeiro
sou desde que nasci.
DEVOÇÃO A SANTA
CECÍLIA Mano Lima - Sou devoto de Santa
Cecília porque no quarto em que nasci havia uma imagem dela com uma arpa.
Aquela imagem ficou gravada na minha cabeça e somente com o passar do tempo,
fiquei sabendo que ela era a santa protetora dos músicos. A estátua dela, que
está na entrada da minha estância e que leva o nome de Fazenda Santa Cecília,
tem uma expressão angelical que emociona. Assim como a escultura do cacique
M’Bororé que tenho em frente à minha casa na fazenda, são artes do
escultor Vinícius Ribeiro. O Vinicius é um grande artista missioneiro, que traz
a herança das Missões em suas obras e em seu coração. Também foi ele que fez a
estátua de Mano Lima com sua gaita, uma homenagem que recebi da prefeitura de
Maçambara.
INSPIRAÇÃO PRA COMPOR
Mano Lima - Às vezes eu sonho que estou fazendo uma letra e aí termino depois.
Às vezes estou andando a pé ou a cavalo campo afora, às vezes uma frase me puxa
uma letra. Eu sinto quando começo a compor que está na hora de gravar. Deus, o
campo e o cavalo são a caneta das minhas inspirações e composições. Trabalho
muito com esta parte mística. Já que eu não sabia nada de mim e foi um amigo
que me descobriu, passei a perceber que a vida está prescrita.
ORAÇÃO E PÚBLICO Mano
Lima - Antes dos shows faço minhas orações. Só vou para o palco depois que
sinto a presença de Deus. Tenho na minha cabeça até hoje, que não sou um
artista, que tenho uma missão e sou apenas um mensageiro, pois em tudo Deus me
conduz. Não preocupo com nada, simplesmente confio em Deus. Tem momentos em que
até chego a chorar, tamanha é minha emoção ao sentir a presença de Deus e do
Espírito Santo, especialmente antes de fazer meus shows e de estar com o meu
público.
MOMENTOS DIFÍCEIS Mano
Lima - Na música foi quando eu precisei fazer uma cirurgia e estava me
recuperando. Tinham muitos shows agendados. Poucos daqueles que me contrataram
tiveram a compreensão de que eu estava impossibilitado de me apresentar. Alguns
deles até vieram me visitar, mas a maioria dos contratantes não tiveram
compreensão. Ficou pra trás, mas isso me afetou bastante, porque aprendi com
meu pai que, não apenas o trabalho, mas sim o compromisso é o que ajuda um
homem a crescer. Na vida pessoal, o que mais me marcou foi a perda do meu
sobrinho, aos 26 anos de idade. Era um jovem por quem eu tinha amor como por um
filho. Mas, graças a minha fé, entendi que ele esteve conosco apenas pelo tempo
de cumprir sua missão. Mesmo assim, doeu muito e dói até hoje.
MOMENTOS FELIZES Mano
Lima – São Muitos. Mas entre os mais marcantes cito o nascimento dos meus
filhos, triunfar como músico e minha gratidão pelo reconhecimento que tenho do
meu público, dos meus fãs, que pessoalmente e pelas redes sociais, sempre estão
me homenageando de forma muito alegre e respeitosa. Além de ter o
reconhecimento de artistas nacionais como do Sorocaba, da dupla Fernando e
Sorocaba, que recentemente me convidou para gravar um disco.
RECADO PARA QUEM ESTÁ TRILHANDO
NOVOS CAMINHOS Mano Lima - Que não façam o que Mano Lima fez. Quando um amigo
surgir e disser você é capaz. Acredite e vá em frente. Acredite também que a
palavra tem força, mas o que tem mais força que tudo isso é o pensamento.
Porque não existe uma atitude que não venha do pensamento. A nossa religião, a
nossa fé, a nossa força vem de dentro de nós. Para mim, a felicidade está na
simplicidade e o homem nada mais é do que o reflexo de suas atitudes. Confie em
Deus, pois somente Ele vai te levar até onde você quer chegar. Deus vai por
vários caminhos, mas Ele é um só. Portanto, a religião é simplesmente a copa do
chapéu e o importante não é a copa, mas o chapéu.
TEXTO/FOTOS: Karin
Schmidt Jornalista e Documentarista KSS Comunicação