Metendo minha colher
aonde não fui chamado penso que a polêmica levantada a partir da publicação da
foto da cantora e apresentadora Shana Müller com o vestido da campanha que
abraçou em 2017 em defesa da purificação musical ao se tratar da mulher gaúcha
revestiu-se de um certo exagero. Mas talvez seja isto que as campanhas de
marketing almejam, caso contrário morrem antes mesmo de ter nascido.
Mas vamos aos fatos.
Quanto a frase
"Não Sou Égua", me insiro totalmente ao lado da apresentadora do
Galpão Crioulo. Talvez nossa índole musical gauchesca seja um tanto machista e
comparar uma mulher a um animal, como já observamos seguidamente, é algo
grotesco e desabonador. "...aprendi
a domar amanunciando égua/ e para as mulher vale a mesma regra. / Animal te
para, sou lá do rincão / mulher pra mim é como redomão maneador nas patas e
pelego na cara...". É claro que isto tudo foi uma brincadeira, só que de
mau gosto. Ainda bem que o saudoso Leonardo contrapôs com "Morocha
Não".
Em relação a "Não
Sou China", temos que entender o contexto histórico e, também, que a própria
história evolui. Nos primórdios da formação do Rio Grande a palavra
"gaudério" significava errante, sem paradeiro, homem sem lei e, até,
ladrão. Nos dias de hoje o significado de gaudério mudou e é tido como o gaúcho
que cultiva as tradições, de uma maneira geral, sendo nome e legenda até de Centros de Tradições. Da mesma forma a palavra "China".
Antigamente (mas não muito) china era um tratamento carinhoso a mulher amada.
Chinoca, chinita... Conheci uma senhora que seu nome era Chinoquinha. Quantos
poetas da pura cepa crioula como Jayme Caetano Braun e Aureliano de Figueiredo
Pinto usaram a terminologia "china" em seus versos ao enaltecer a
prenda de seus encantos? Contudo, com o passar dos anos, tal terminologia foi
associando-se a prostituta, a mulher de zona e, não raro, se escuta músicas
dando ênfase a esta identificação: "... não chora minha china véia, não
chora / me desculpe se te esfolei com as minhas esporas / não chora minha china
véia, não chora / encosta tua cabeça no meu ombro / que este bagual véio te
consola..". Neste sentido Shana também tem razão embora muitos (como eu)
palmeiam pela velha estrada e preferem a identificação antiga e carinhosa
equiparando china a prenda.
Já em se tratando da
última frase do vestido promocional "Não quero que o velho goste", a
mesma pode ser observada por dois ângulos: O primeiro é o da "mulher
objeto", ou seja, comparando seu gosto com churrasco, com chimarrão, com
fandango, com trago... Mas acho um certo exagero nisto tudo. Qual o problema de
uma pessoa de idade, dentro dos limites normais de educação e respeito, gostar
de mulher? Eu sou velho e gosto (ainda bem). Sou apaixonado por minha esposa.
O que me causa uma
certa estranheza que tudo isto está vindo a tona num momento em que a mulher
está sendo valorizada como nunca no meio da cultura gaúcha a qual, reconheço, já
foi um tanto machista. Nos dias de hoje temos dezenas de mulheres no comando de
Centros de Tradições e de Regiões Tradicionalistas. No CTG aonde sou associado
(Rodeio Serrano, de São Francisco de Paula), a diretoria é totalmente composta
por mulheres.
As próprias músicas
citadas por mim acima e que, talvez, tenha dado origem ao protesto estampado, tem
mais de 20 anos de existência e na época pouco se ouviu algum contraponto a
tanta coisa mal escrita e musicada. Nos tempos de agora pouco ou quase nada se
ouve de composições denegrindo ou mal comparando a mulher gaúcha. Por isso
muito se perguntam nos posts da redes sociais ao tratar de tal polêmica: -
Não seria a compra de uma briga depois que passou a batalha? "Oportunismo
tardio" não existe, mas poderia ser criado tal antagonismo para o caso em
questão.
De toda forma eu penso
que sempre é tempo de enaltecer e defender os ideais de igualdade pois, queiram
ou não, em todos os setores, a mulher, o negro, o índio, o colono, os velhos, ainda
são muito discriminados. E não podemos esquecer das campanhas dos últimos meses
onde reverberam os debates sobre o assédio contra mulheres.
Enquanto isso, eu vou
continuar tratando a china de....china, como o grande mestre Jayme Caetano nos
ensinou.
Bendita
china gaúcha
que
és rainha do pampa
e
tens na divina estampa
um
que de nobre e altivo.
És
perfume, és lenitivo
que
nos encanta e suaviza
e
num minuto escraviza
o
índio mais primitivo.