RETRATO DA SEMANA

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sexta-feira, 7 de abril de 2017

ADEUS A RAINHA DO ACORDEON


Sempre procuramos, em nosso blog, postar a notícia em "riba do laço", ou seja, logo que o fato tenha ocorrido. Contudo, por motivos alheios a nossa vontade, não registramos o falecimento de uma grande acordeonista e que nos deixou nesta terça-feira.
 
Talvez muitas pessoas, principalmente as mais jovens, nem saibam de quem estamos falando. Trata-se de uma das melhores gaiteiras gaúcha de todos os tempos. Tocava fácil, limpo, sorrindo, de alma aberta. Aprendi a ouvir e gostar das músicas de Jeannette no programa radiofônico ao vivo O Grande Rodeio Coringa, lá pela década de 60.
 
Desejando muita luz nesta eterna caminhada de Jeannette, deixamos para os leitores de nosso periódico virtual gaudério uma belíssima matéria produzida pelo site Coletivo Cultural Ouvido Médio, de Cruz Alta, sob o título: SUA MAGESTADE, A ACORDEONISTA JEANNETTE. 
 
Apreciem.        

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Trazemos cá mais um bom argumento para nos orgulharmos da nossa terra: Jeannette Ferreira Moraes – a Rainha do Acordeon em sua essência expressiva musical.

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Jeanette é uma figura ímpar. De prosa solta, riso no rosto e  disposta a soltar a língua sobre temas recorrentes como música gaúcha e América Latina. Música,  compositora e professora formada em Harmonia e Solfejo. Desde os cinco anos estudava piano clássico no Colégio Santíssima Trindade, aos 14 anos iniciou sua carreira profissional convidada a acompanhar nos shows o cantor Gildo de Freitas. Expressa na fala a personalidade da mulher do campo e demonstra força e  vitalidade embora esteja em tratamento de saúde.
 
Sua técnica inquestionável de tocar, principalmente pelo uso da baixaria do acordeon na maioria de suas músicas e a composição a frente da época considerando as difíceis notas e ótima execução, a faz lembrada até hoje pelos amantes da música gaúcha e por quem pretende ser acordeonista. Foi reconhecida como a maior gaiteira gaúcha de todos os tempos. Além de discos solos o grande sucesso obtido foi com a dupla Nelson e Jeanette. A rainha conta seus palpites provocadores sobre a nova geração tradicionalista “parece que as pessoas que amavam genuinamente o Rio Grande do Sul estão acabando, agora é tudo mistura disso e daquilo, eles estão misturando danças, músicas, costumes. A própria Coxilha, já foi muito melhor. A tradição gaúcha está bastante deturpada”.
 
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A propriedade de fala vêm da artista que aos 14 anos, convidada por Gildo de Freitas, um dos cantores mais reverenciados do sul, precisou casar-se para poder acompanhá-lo em shows sem ter sua integridade moral condicionada a avaliação daqueles que “naquela época, 62, consideravam a mulher artista/música uma puta” lembra. Fez shows aqui e no exterior ao lado de Gildo, que em reconhecimento ao talento e técnica a atribuiu o título de ‘Rainha do Acordeon’, adotado pelos gaúchos. Com seu primeiro companheiro amoroso e musical Nelson, gravou grandes sucessos e no final da década de 60, a dupla fazia era famosa no país inteiro, levando o nome de Cruz Alta. O xote “Saudade de Cruz Alta” era tocado nas rádios e TV e embalava pares nos Clubes, Rodeios e CTGs, trecho inicial “Cruz Alta é minha terra e sou filho deste pago”.
 
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Sobre a carreira solo a cantora afirma “são muitas composições gravadas por mim, tenho 10 LPs, 21 CDs e oito DVDs, se contar minhas músicas, devo ter umas 800, incluindo as que os colegas cantam e tocam”. Recebe esporadicamente pelos direitos autorais, pagos pela gravadora, paralelo, lucra mais com a produção independente em estúdio de CDs e DVDs. Suas canções falam sobre ser mulher, sobre família, amor, bailes, sociedade e claro, sobre a tradição do gaúcho e da gaúcha. Aos 73 anos quando pensa sobre o que mais sente falta, resume em uma palavra “infância”. “Nasci na campanha, na Estância da Boa Vista, quando ainda pertencia a Cruz Alta, sou filha única, minha mãe sabia tocar mais de sete instrumentos musicais, meu pai era agropecuarista, desde muito cedo tive contato com o campo, por vezes fazia o serviço dos peões, sinto falta de andar a cavalo” relembra a filha cruz-altense que passou 57 anos fora de casa.

Protagonizou fundações de CTGs no interior do país e no exterior, o dia em que o monumento à Santinha recebeu a imagem vinda de Portugal, conta ter subido nos andaimes para ver de perto, “de lá pra cá Cruz Alta cresceu muito tanto para cima quanto para os lados, o número de bairros que temos hoje é muito maior, só da minha janela da direita consigo contar 52 edifícios” expõe. Conheceu durante a carreira todas as capitais da América Latina e o Brasil inteiro “noto as vezes o pessoal deslumbrado com a Europa, fico pasma quando vejo, porque as pessoas deixam de conhecer o quanto é bonito aqui e preferem investir e gastar no exterior. O Brasil é tão maravilhoso como não se tem ideia, basta conhecer o Ceará, Fortaleza, Belo Horizonte, Salvador, a perfeição da beleza do Rio de Janeiro, São Paulo e o Maranhão, então” exclama.
 
Nelson e Jeanette - 1976 - Escravo da Saudade

A rainha mora sozinha no alto de uma das coxilhas mais visitadas na cidade, em frente a Santinha, foi autorizada pelo médico a tocar no máximo quatro musicas por dia, não tem filhos “fiquei grávida nove vezes, seis vezes de gêmeos e três vezes de trigêmeos, perdi todos os 21 antes de nascerem, o diagnóstico foi fibroma, fiz o tratamento e não tentei depois. Sofri bastante com isso, mas para algumas coisas não existem explicações, hoje já superei e não me sinto sozinha, tenho muita fé em Deus” fala enquanto acaricia o fole, os120 baixos e as 41 teclas.

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