Esta semana, há três ontontes, nosso blog esteve abordando uma temática cultural em decadência em nosso Estado, isto é, a dos escritores e contadores de causo. Nas eliminatórias para o ENART de 2015 alguém foi lá, pegou uma piada velha e de mau gosto, substituiu o papagaio por um cavalo (agauchou a piada) e foi muito bem classificado.
Contar (ou escrever) causo é um dom. Não pode ser muito comprido com longos e cansativos diálogos e nem curtos como coice de porco. A narrativa tem que ser apropriada, sem exageros, inclusive no que se refere às figuras de linguagem.
Dentre os grandes escritores de causo, temos um que nunca vi de bombacha. Estou falando de Luiz Coronel. Sua mensagem nos transporta para um Rio Grande antigo, interiorano, autêntico. Parece que estamos vivenciando a história (ou seria estória?) contada.
Vejam seu "causo" de hoje, na coluna Pampianas, de Zero Hora.
Luiz Coronel
O FUTEBOL CAMPEIRO DE BAGÉ
Bastou um pipocar de tiros para o Coronel Apolinário Azambuja buscar a winchester em cima do armário. Naquele instante, chutando macegas, entravam em campo as equipes do Manotaço e do Redomão, decidindo o Campeonato Bagual da Grande Bagé.
Sentados nos pelegos, bombeando chimarrão, os torcedores se empoleiravam em bancos e barrancos. Ostentando ponchos, botas, esporas e chapéu beija-santo, os atletas posam para empinadas fotografias. O pontapé inicial é decidido no "suerte e culu" nos conformes do jogo do osso.
Desabou um temporal, e a partida decidiu-se de guarda-chuva aberto, sem prejuízo dos proveitos. Um vivaracho gringo mostra-se interessado no passe do Felisberto Cabeleira, o famoso deflorador de redes e demolidor de traves. Patos, galos e galinhas não perturbam o desempenho dos atletas, vez por outra confundidos com a bola, recebendo grandes tiros de meta e arremessos laterais.
O árbitro apita montado num matungo caborteiro e recebe vais de abigeatário. Massagista é coisa de maricotes. Um veterinário se acomoda de jeito para as eventualidades. Lenços chimangos e maragatos diferenciam as equipes gaudérias. Os bandeirinhas em seus petiços fazem cancha-reta pelas laterais do campo.
O goleiro, patrão em seu CTG, manda e pesponteia. Com rebenques nas mãos, defende sua pequena área qual marido de mulher assanhada. O escore é marcado com ferro em brasa. Ao campeão é oferecido uma vaca que nem carece dar três mugidos para virar espeto corrido. Se um atacante dispara no rumo às traves é hábito fazer uso indiscriminado de laços e boleadeiras. A cobrança de pênalti tem outro discernimento.
Correm parelhos cinco atacantes, chuta quem por primeiro alcançar a bola e, se errar o lance, leva uma sumanta dos outros quatro. Não se enganou o Coronel Apolinário quando ouviu o estopim de balas de todos os calibres fazendo algazarras no rebuliço da tarde. Se um anjo naquele instante cruzasse os céus do pampa, por certo, cai de bruços no banhado.