Em uma bela entrevista de três páginas ao jornalista Fábio Prikladnicki, na Zero Hora dominical, o humorista Jair Kobe, criador do Guri de Uruguaiana, fala de política, limites do humor e de sua carreira.
Particularmente, um dos tópicos que mais gostei foi sua rejeição a um papel que o deixaria conhecido no Brasil inteiro. Novamente a Globo, a emissora que criou e disseminou a vinculação de gaúcho veado, queria ratificar esta bestialidade mas levou um não do Jair.
Vejam abaixo o que perguntou ZH e o que respondeu Jair Kobe sobre o assunto:
Particularmente, um dos tópicos que mais gostei foi sua rejeição a um papel que o deixaria conhecido no Brasil inteiro. Novamente a Globo, a emissora que criou e disseminou a vinculação de gaúcho veado, queria ratificar esta bestialidade mas levou um não do Jair.
Vejam abaixo o que perguntou ZH e o que respondeu Jair Kobe sobre o assunto:
Fotomontagem reúne criador e criatura: o humorista Jair Kobe e o guasca Guri de Uruguaiana
Foto: Júlio Cordeiro / Agencia RBS
ZH - Recusaste um convite para
participar do Zorra Total porque te ofereceram o papel de um gaúcho gay. O que
achas das piadas sobre a masculinidade do gaúcho?
Quando o Maurício Sherman (então
diretor do Zorra) me ligou, eu disse que, se houvesse qualquer conotação nesse sentido,
não precisava nem mandar passagem de volta para Porto Alegre, porque eu não
poderia voltar nunca mais (risos). (O Guri) não é um personagem criado para
isso. Tenho um compromisso muito grande com a cultura gaúcha desde o tempo da
música. Vejo muita criança usando bombacha, falando "Mas que
barbaridade!" e curtindo as coisas gaúchas por conta do personagem. E, de
uma hora para outra, eu vou para a TV, em rede nacional, falar sobre a
masculinidade do gaúcho? É uma brincadeira que deixa a gauchada chateada em
todo o Brasil. Certa vez, um senhor veio me contar que esteve no Ceará e foi em
um show de humor. O artista perguntou quem era de Brasília, quem era mineiro,
gaúcho. Quando levantou a mão, dizendo que era gaúcho, serviu de Cristo a noite
inteira. Esse senhor de quase 70 anos me disse que, no outro dia, combinou com
a esposa de dizer que eram mineiros, caso perguntassem. Quando ouvi essa
história, foi um soco que levei. Não acredito que um gaúcho possa ter medo de
dizer que é gaúcho por conta dessa brincadeira de extremo mau gosto.
ZH - E como foi a história com o Zorra
Total?
Em abril de 2011 me convidaram
para fazer a gravação. Era uma sexta-feira e não vinha o texto. Eu disse:
"Olha, tchê, sem saber o que eu vou fazer, eu não vou". Quando fiquei
sabendo que tinha essa conotação (da sátira à masculinidade do gaúcho), eu
disse: "Não vou". Aí a guria (da produção do Zorra) disse: "O
que eu vou fazer agora? A gravação é na segunda-feira?". Eu disse:
"Pega um carioca e fantasia de gaúcho para fazer o papel". E fizeram
isso. Passados uns 15 dias, o programa não estava no ar ainda. Nesse meio
tempo, o Sherman me ligou. Aí eu fui para o Rio e me reuni com ele e com os
redatores do Zorra. A pergunta do Nizo Neto, filho do Chico Anysio, foi:
"Jair, vem cá, esse negócio de gaúcho veado é muito antigo!". Eu
disse: "Não. Pelotas tem história, com as charqueadas, em que os ricos
mandavam seus filhos para a Europa, e eles voltavam comendo de talher, com
roupa engomada. E pegou essa brincadeira. Mas o gaúcho veado foi criado dentro
da Globo com o Casseta & Planeta". Como eu já sabia que (o programa)
estava gravado, disse: "No Casseta & Planeta, que trabalha com o
politicamente incorreto, terça-feira à noite, tudo bem. Agora, no Zorra Total,
um programa da família brasileira, no sábado depois da novela, não tem
cabimento. Vocês estão se afastando cada vez mais dos gaúchos, e gaúcho tem no
Brasil inteiro". Deu aqueles 30 segundos de silêncio, e o Sherman bateu na
mesa e disse: "Tira esse gaúcho veado do trem!". Pois não é que
estreou o programa, e o gaúcho não apareceu? Nos livramos desse estereótipo do
gaúcho veado no Zorra Total.