Extraído do Site TERRA
Por: Leonardo Vieceli
Aluno do 5º semestre do curso de Jornalismo da Unisinos
O corretor de imóveis Clóvis, mais conhecido como
"Gaúcho da Copa",
vai para seu sétimo Mundial seguido, dessa vez em
casa - Foto: Arquivo Pessoal
Dentro de campo, o alemão Lothar Matthäus e o mexicano
Antonio Carbajal são os únicos jogadores que estiveram presentes em cinco
edições da Copa do Mundo. Fora das quatro linhas, contudo, há um personagem
que, apesar de nunca ter pisado no gramado, já ultrapassou essa marca. Desde
1990, quando a Itália sediou o evento, Clóvis Fernandes, 59 anos, viaja aos
países-sede para acompanhar a Seleção e colecionar histórias - ele já comprou
um carro no Japão e trocou por um PlayStation antes de voltar para casa. Neste
ano, o Gaúcho da Copa, como é conhecido, pretende torcer das arquibancadas mais
uma vez: será seu sétimo Mundial consecutivo.
"Fui atrás de um sonho. Todo brasileiro quer participar
de uma Copa do Mundo. Muitos terão a chance na próxima, porque será em
casa", afirma o torcedor, que por causa desse fanatismo pela Seleção
conheceu 66 países. Nas seis edições em que participou, Clóvis garante que
sentiu emoções diversas. Presenciou, por exemplo, a categoria do craque
Zinedine Zidane acabar com o sonho do pentacampeonato brasileiro em 1998, mas
também viu de perto o título chegar com o ressurgimento do fenômeno Ronaldo em
2002.
Foi durante a Copa de 1970, a primeira edição transmitida a
cores pela televisão brasileira, que o então adolescente Clóvis traçou o
objetivo. "Ainda assistirei a uma Copa ao vivo e a cores. Se Deus quiser,
farei isso. E o 'velhinho' quis muito", relembra da promessa feita em meio
à euforia criada pela conquista do tricampeonato da equipe brasileira, liderada
por craques como Pelé e Rivellino.
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Vinte anos se passaram. Veio a Copa do Mundo de 1990 e, com
ela, o início da "irresponsabilidade". À época dono de uma pizzaria
na capital gaúcha, Clóvis deixou o trabalho em segundo plano para seguir, como
um marcador implacável, a seleção canarinho. "Eu me tornei um grande
irresponsável. Passei a ver o trabalho não como a coisa mais importante da minha
vida", revela.
Pelo fato de não conseguir conciliar trabalho e jogos da
seleção, Clóvis vendeu a pizzaria para o irmão, que já trabalhava com ele.
Desde a Copa realizada na Itália, bombacha, lenço, chapéu e botas fazem parte
do vestuário do gaúcho nas viagens.
"Quando resolvi não sonhar sozinho, convidei meus
amigos". A fala de Clóvis resume o motivo que o levou a fundar o Gaúchos
na Copa, grupo que se reúne para viajar e acompanhar a Seleção Brasileira em
Copas do Mundo. Porém, os fanáticos torcedores tomaram uma decisão: não ficar
esperando quatro anos até que uma nova edição do torneio ocorra. Então, o grupo
também acompanha o Brasil em competições como a Copa das Confederações, Copa
América e Olimpíadas. "Os custos de viagem são caros, e nem todos os
integrantes têm disponibilidade de tempo para me acompanhar. Por isso, o grupo
sempre se renova", diz Clóvis.
Gaúcho da Copa posa ao lado do alemão Franz Beckenbauer
Foto: Arquivo Pessoal
Ao chegar ao país-sede da competição, o Gaúcho da Copa e os
amigos alugam um carro. Ou seja, nada de avião para o deslocamento até as
cidades nas quais os jogos do Brasil ocorrem. A partir disso, o grupo sai pelas
rodovias, conhece pontos turísticos e diferentes culturas.
Apenas em uma oportunidade ocorreu algo
"diferente". Durante a Copa do Mundo de 2002, na Coreia do Sul e no
Japão, o grupo mudou os planos e comprou um automóvel. "Dirijo em qualquer
lugar do mundo. Minha carteira é internacional. Mas, no Japão, o seguro não
cobre o valor de um carro alugado. Então, contamos as moedas e descobrimos que
tínhamos dinheiro para comprar um automóvel", explica o gaúcho.
A competição terminou com o pentacampeonato brasileiro, e
Clóvis viu-se obrigado a dar um destino à aquisição. "Troquei o carro por
um PlayStation, que dei de presente para meu filho. É sério", recorda.
O ano de 2002 foi especial para o Gaúcho da Copa não só pelo
título brasileiro e por ter visto Ronaldo se destacar ao longo da competição.
Com os olhos brilhando, Clóvis relembra um fato que lhe trouxe grande
reconhecimento: a Fifa o escolheu como torcedor-símbolo do torneio realizado em
solo asiático. "Conquistei espaço na mídia. De repente, a televisão passou
a mostrar um bigodudo com uma paixão enorme de acompanhar a Seleção e divulgar
a cultura do Rio Grande do Sul", disse
Saiba Mais
Mas nem tudo foram flores. Ao longo da competição, ele
experimentou iguarias da culinária local com seis colegas torcedores que o
acompanharam. E Clóvis não guarda boas recordações de um prato em especial:
carne de cachorro. "Foi uma vez só e nunca mais. Prefiro o bom churrasco.
A carne de cachorro não tinha gosto de nada, até porque comemos com outras
coisas para misturar e ver se tinha como engoli-la", relembra.
Antes de 2010, críticos colocavam à prova a capacidade
sul-africana de organizar um Mundial. Para Clóvis, entretanto, apesar de a
Seleção não ter vencido a competição, essa Copa trouxe inúmeras surpresas.
"A África do Sul é o país para o qual tenho vontade de voltar. Foi uma
bela surpresa", analisa.
A empolgação de Clóvis foi tão grande que ele e os
integrantes do Gaúchos na Copa permaneceram por 45 dias no país de Nelson
Mandela no período da Copa das Confederações, em 2009, e por mais 80 dias no
ano do Mundial.
Agora, o Gaúcho da Copa já está se preparando para cruzar as
rodovias brasileiras e acompanhar os jogos da Seleção. O aquecimento para as
viagens ocorreu no ano passado, ao longo da Copa das Confederações. Segundo
ele, a infraestrutura rodoviária brasileira não está tão ruim. "Será
possível acompanhar de carro os jogos do Brasil na Copa. Se eu acompanhei cinco
jogos em 15 dias (na Copa das Confederações), é possível assistir a sete
durante 30 dias de Copa do Mundo. Porém, sempre respeitando os limites de
velocidade", diz.
Gremista, gaúcho quer que, após sua morte, suas cinzas sejam
jogadas
parte na Arena do Grêmio, parte em um jogo da Seleção - Foto: Arquivo Pessoal
O torcedor mostra-se empolgado ao relembrar as vitórias do
time de Felipão no torneio realizado em 2013. Com um sorriso no canto dos
lábios, resume o que foi a Copa das Confederações para ele: "foi de
arrepiar os cabelos da alma".
Clóvis Fernandes hoje é corretor de imóveis. Segundo o
gaúcho, torcedor do Grêmio, as viagens realizadas ao redor do planeta foram
possíveis graças à compreensão de pessoas próximas, como a esposa Débora e os
quatro filhos. "Se um dia eu morrer em uma arquibancada, não me enterrem.
Me deixem lá, pois estarei muito feliz. Mas serei cremado, e meus filhos sabem
que devem largar um pouquinho das cinzas dentro da Arena do Grêmio e, depois,
em um grande jogo da Seleção Brasileira", revela o torcedor.
Material produzido sob a supervisão da professora Anelise
Zanoni