Palco da Revolução de 1923, castelo
de Pedras Altas é posto à venda
Julia Otero
Por ser tombada pelo Estado,
construção foi ofertada ao poder público antes de ser anunciada. Por enquanto,
não há resposta sobre a aquisição
O governo estadual ainda não se
posiciona sobre a compra. O valor especulado pelo setor imobiliário é de que
possa valer R$ 12 milhões.
Um naco da história gaúcha está à
venda. É um dos cenários dos chimangos e maragatos, onde foi assinado um acordo
que pôs fim à Revolução de 1923. Um castelo imponente, estilo medieval, de 44
cômodos com 300 hectares, que parece deslocado da singela cidade onde se situa.
Fica em Pedras Altas, no sul do
Estado, um município de quase 3 mil habitantes, onde só se chega depois de 30
quilômetros de estrada de chão batido, a principal avenida não tem mais de dois
quilômetros e a economia gira ao redor do campo.
A fortaleza foi finalizada em
1913 em um tempo em que uma ferrovia — hoje desativada — deslocava a produção
agropecuária para as outras partes do Estado. Ali foram introduzidas no país
raças como o gado Jersey, o gado Devon e a ovelha Karakul.
O valor do possível negócio não é
revelado pela família, mas há uma especulação no setor imobiliário de que possa
chegar a R$ 12 milhões.
O fundador, Joaquim Francisco de
Assis Brasil, foi tão importante para o agronegócio que atualmente é
homenageado em todas as edições da Expointer, pois é do nome dele que vem o
batizado de onde acontece a feira: Parque de Exposições Assis Brasil.
O gaúcho de São Gabriel era
apaixonado pela segunda mulher, Lydia, uma moça europeia. Então, ele planejou o
castelo inspirado no antigo lar dela, para fazê-la sentir-se em casa. Usou
granito rosa e trouxe três espanhóis para trabalhar as pedras e encaixá-las sem
uso de argamassa.
Ergueu um império onde 10
crianças e seis empregados viviam baseados na concepção de mundo que tinha: o
campo aliado à intelectualidade. Depois de mexer com a terra, faziam saraus,
atividades culturais e se debruçavam em literatura em inglês, francês, latim e
português em uma biblioteca com 9 mil exemplares, projetada de maneira que o
sol entrasse e as obras não mofassem.
As relíquias — entre elas 22
volumes da Enciclopédia, de Diderot e D'Alambert, de 1751 — estão agora à
venda, junto com os móveis de madeira maciça importados de Paris. Todo o
conjunto, de mobília, prédios e granja, é tombado pelo Estado e está em
processo de tombamento nacional. Por isso, quando os donos atuais decidiram
vender, pela lei, primeiro o imóvel teve de ser oferecido aos governos
municipal e estadual e à União. Só depois de 30 dias, caso não seja demonstrado
interesse governamental, poderá ser ofertado à iniciativa privada.
— Formalmente os documentos ainda
não foram enviados, então não podemos ter uma posição se há interesse de compra
por parte do Estado — resume a diretora do Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico do Estado (Iphae), Mirian Sartori Rodrigues.
O lugar por onde Assis Brasil fez
literatura e política precisa de um restauro avaliado em mais de R$ 5 milhões.
Já na fachada, percebem-se as marcas do tempo. Há infiltrações, janelas
enferrujadas e pelo menos 12 casas de camotins (que são parecidas com as casas
de João-de-Barro). Nem os animais ficaram por lá, pois as casas estão
abandonadas. Um projeto de reforma para captação de verba via Lei Rouanet foi
feito, mas parte da família herdeira não concordou com alguns documentos
necessários para concorrer à verba e, portanto, não houve interessados.
Atualmente, a mansão é habitada
por somente uma pessoa, uma das herdeiras, a neta de Assis Brasil, Lygia Costa
Pereira de Assis Brasil, 60 anos. Ela recebia visitantes que queriam conhecer o
interior do castelo e as histórias de maragato do avó. Apresentava com orgulho
o interior do imóvel e fotos do passado, como uma em que Assis Brasil, um
exímio atirador, aparece acertando uma maçã colocada sobre a cabeça do pai da
aviação brasileira, Santos-Dumont. Agora, que está tomada a decisão entre os 20
herdeiros de vender a propriedade, nem se anima a reabrir a casa para fotos.
— É complicado tomar decisões
entre 20 pessoas. Agora, vou cuidar das minhas coisas que deixei durante 15
anos, tempo que fiquei recebendo pessoas para visitas guiadas — diz por
telefone porque não quer mais receber repórteres pessoalmente: — O futuro dono
poderá dar outras notícias sobre o castelo.
Durante as fotos do lado de fora,
ela passa com galocha e boné, cumprimenta e se desculpa:
— Vou seguir na "lida"
— diz apontando para a granja.
No interior do castelo de Pedras Altas, representando os Maragatos, Assis Brasil assina o tratado de paz da Revolução de 1923. Borges de Medeiros, em Porto Alegre, assinou pelos Chimangos.