RETRATO DA SEMANA

RETRATO DA SEMANA

quarta-feira, 6 de março de 2013

AS DEZ MELHORES POSTAGENS - PARTE VI


Esta postagem, a sexta da série de dez, foi uma sátira a quem, em função do calendário Maia, acreditava que o mundo iria acabar no dia 21 de dezembro de 2012, principalmente ao prefeito de minha São Chico de Paula, Décio Antônio Colla, que serviu de chacota ao mundo inteiro ao propagar tal heresia.   

O mote para a postagem é: como foi, hora a hora, este dia "angustiante" para um peão de fazenda (Chiru Valente) lá nos fundões do Rio Grande.    


HORÁRIO DO DIA "D" (DERRADEIRO)
Por: Chiru Valente

Tenho uma conhecida que faz um diário de sua existência. Pensando nela, resolvi fazer um HORÁRIO deste dia que pode ser o último, o apojo da barrosa, de minha vida.

00:05 - Estou pelo rancho. Tinha pensado em passar a noite na tasca (zona, casa das tias) dançando uma rancheira. Entretanto, devo confessar que estou mais sério do que criança cagada com esta história de fim de mundo. Então, vou sossegar o lombo por aqui.

04:10 - Não consigo dormir. Cada vento que bate numa tábua mal pregada, me apincho (atiro) pra debaixo do catre (cama). Vou encilhar um mate pra ver se passa esta aflição.

06:34 - O sol ainda não apontou. Choveu de balde esta madrugada. O céu está com uma pelegama (nuvens) espalhada pelo firmamento. Ouvi no noticioso que lá pelas bandas do Japão está tudo nos conformes...

07:49 (ou 11 para ás 08) - Já tratei a criação, tirei leite, varri o galpão e agora vou pro café. Coisa pouca pra não morrer de buxo cheio. Pão de milho, coalhada, cuscus, um pouco de feijão mexido que sobrou de ontem, passoca de pinhão, e uns três ovo frito pra sentá as lumbrigas.

08:45 - Como lá fora tá uma chuva guasqueada, coisa de enchê o arroio, fiquei pelo galpão. Acendi um fogo no borralho, falquejei um cabo de relho, e agora vou remendar uns tentos do meu laço. Sempre proseando com a cachorrada.

09:22 - Aproveitando a olada da chuva, dei uma glosada nos cascos do meu mouro velho e, enquanto tosava suas crinas, fiz um versinho:

Se o mundo trocar de ponta, 
eu só peço a São Gonçalo,
por ter sido um homem bom,
que me dê este regalo,
de entrar na estância grande  
no lombo do meu cavalo. 

10:43 - Bueno! A cosa vai longe. Este aguaceiro está mais comprido que discurso de gago. Então, vou atiçar o fogo, botar uns dois ou três nó-de-pinho, e encostar perto das brasas um vazio e uma costela de ovelha que eu vinha guardando pro natal. Total, pode nem ter natal. Numa caneca de alumínio vou dando umas golpeadas numa azulzinha (canha) que busquei num alambique clandestino, do cumpadre Gervázio, lá por Maquiné.

14:.. e alguma coisa... – Gurizada medonha... a pegada foi feia... canha e carne, carne e canha... enchi o pandulho... se é pra terminar esse...iccc...caco de mundo....bem que podia ser agora.....

Eu... que tava aguniado, que nem cusco em canoa, já ando de rédea solta....  e se este tal de Maia... que inventou  esta palhaçada.... aparecesse na minha frente.....ia servir de bainha pro meu facão!

Vou atirá uns pelegos numa tarimba... esticá as canelas... e dormir com o zóio fechado... até que se resolva esta situação!

15:59 - Me acordo com a cachorrada acuando... É o Anacleto, um vizinho do campo do fundo, que vem me convidar pra uma serenata na Dona Fininha. Tô com um gosto de guarda-chuva preto na boca...

Aproveito a estiada no tempo, encilho meu cavalo de campo, um gateado frente-aberta e vou dar um vistaço no gado. Analisar se está tudo em riba depois deste aguaceiro. Já vou estudando umas coplitas pra cantar pras prendas, na serenata da Dona Fininha (não sei porque chamam ela assim, se pesa quase 200 quilos...).

18:02 - Chegando do campo. Escurecendo mais cedo, mas tudo nos trincks.... Nenhuma rês no banhado, nenhuma ovelha bichada... Vou cevar um mate pra lavar a buxada e aproveitar este resto de dia. Despôs, o banho semanal e encilhar meu mouro pra serenata.

Por aqui vou findando meu horário, pois acho que não volto mais a escrever.

Quero pedir desculpas se banquei o bobo com esta história toda. No início do dia confesso que tava igual bosta em correnteza, aos trancos, de um lado pro outro, me esfarelando todo com esta fofocaiada de fim do mundo... Mas melhor feder de medo do que feder por defunto...

Temos muita vida pela frente e que tudo sirva de lição. Só Deus apaga o que ele mesmo criou!

Texto de Léo Ribeiro