RETRATO DA SEMANA

RETRATO DA SEMANA

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

UM CAUSO "BEM" DE GALPÃO


Indiada Gaudéria! 

Como hoje amanheci faceiro (não sei a troco de quê), vamos contar um causo BEM de galpão intitulado A REBARBINHA, que recolhi e adaptei entre tantas "estórias verídicas" contadas pelo vaqueano José Fonseca, nos pousos de nossas cavalgadas.

Nosso blog anda meio sisudo, temperamental. Como diria o Odorico Paraguassu, prefeito de Sucupira, está muito "denuncista". Por isto, vamos afrouxar as rédeas neste conto terrunho. Afinal, hoje é sexta-feira.

Nos perdoem aqueles que acharem que o relatório é pesado demais, mas essas “descrições minuciosas”, assim como os causos de assombrações, as lendas, os mitos, faziam (e fazem) parte da vivência galponeira do gaúcho.

Até porque o riograndense é autocrítico, ri de si mesmo, de suas fanfarronadas, o que o torna um ser ainda mais genuíno. Total, dizem tanta besteira por aí....


A REBARBINHA

O Juvencião, ou Juvêncio Alcides do Amaral, é um gaúcho pachola que morava (não tenho notícias se ainda mora) ali na cabeceira do que resta de uma cancha reta de carreira que tinha entre Cambará do Sul e o distrito de Celulose, ou Ouro Verde, ou Cascata, para os mais antigos.

Ali, em tempos de antanho, aos domingos, o povo daquela bandas se reunia para os mais trepidantes embates entre os animais da região. As carreiradas.

Os “carreiristas” se vinham dos quatro horizontes e, junto deles, a piazada, as prendas, a rapaziada de todo o porte, visto que as disputas eram motivos de politicagens, de firmar namoros, de atar algum câmbio....

Por causa daqueles 700 metros de trilhos paralelos muitos estancieiros empobreceram e uns que outros morreram nas peleias de fim-de-tarde.

Juvencião, aproveitando a localização geográfica de seu rancho, montou um bolicho no costado da ráia e dali tirava quase todo seu sustento vendendo uma azulzinha que vinha de Maquiné e o pastel que a Chinoquinha, sua esposa, preparava e fritava em banha de porco. Acho que vem dali o ditado “vendendo mais que pastel em cancha de carreira”.

Pois o personagem em questão, o Juvencião, é o tipo do gaúcho serrano. Ao longo de seus 1,92 cm de altura se para, altivo, como uma araucária. Lenço maragato com nó republicano, bombacha de brim riscado que não tira nem pra dormir, botinha lageana com barbicacho e cano “foles-de-gaita”, um chapéu de copa alta com abas viradas para cima e na cintura um Schimit de cano longo sempre ao alcance da mão, além da inseparável faca coqueiro que o Juvencião usa para preparar um pito, espalitar os dentes, limpar as unhas, cortar carnes... Como o próprio apelido revela, o Juvencião é um homem grande, forte e gordo, que só sobe em balança de pesar porco.

Certa ocasião, após encerradas todas as pencas do domingo, na hora da borracheira, um dos gambás de plantão provocou a todos com uma aposta que só vendo para acreditar. Entre um elogio e outro ao Juvencião, bolicheiro capaz de aturar aquela indiada até altas horas, o Beto Laurindo, conhecido por não gostar de um banho, lascou:
- ... e digo mais ...ic... o Juvencião..ic... xiru véio de alma grande...ic.. é capaz de estercar numa só vez mais que .. ic.. quatro quilos de bosta! E quem duvidar e tiver coragem .. ic ... que ajunte seus pilas e me afronte!

Foi um alvoroço, pelo inusitado. Não sei se pra levar adiante o assunto ou por pura bebedeira, as provocações de jogo e as apostas começaram ali mesmo.

O Juvencião, que a cada trago que servia tomava um gole e já estava tropeando ganso, pra lá e pra cá, de tão tonto, sentindo-se orgulhoso pelas referências, comprou a briga pelo Beto Laurindo afirmando:
- E bosteio mesmo!

A “carreira” foi atada para o domingo seguinte e o assunto tomou conta do rancherio. Nas budegas, nos galpões, nas prosas, era só o que se comentava.

Na manhã de domingo do trato, tinha mais gente na cancha do que quando vieram os vacarianos correr com o cavalo Ventania. Como choveu no dia da carreira a gauchada do Porteira do Rio Grande nem voltou pra Vacaria. Ficaram uma semana farreando até o primeiro domingo de sol.

Mas voltemos ao causo...

O Juvencião, no dia marcado, ali pelas 10 horas da manhã, começou a botar “sustância” no bucho. Doze ovos fritos, um pão de milho, um quilo e meio de torresmo, feijão mexido com batata doce .... e bóia e bóia.

O atrativo retirou o pessoal da beira da cancha que nem queria saber de matungada dando pata. As quatro da tarde, depois de arrematar com um pernil assado, meia panela de guisado com moranga e um cuscus com leite para sentar as lumbrigas, o Juvencião anunciou:
- Tô pronto!

Em seguida providenciaram uma lata de banha vazia, daquelas de cinco quilos, e se dirigiram, em comitiva, pros rumos da “cazinha”.

O Juvencião lá dentro, na maior calmaria do mundo e o povo lá fora esperando, num nervosismo só.

Após uns quarenta minutos, foram autorizados a recolher o material. Parecia uma procissão. O Beto Laurindo com a lata abarrotada de esterco no ombro, em direção a balança e os curiosos todos na volta.

Foi aí que ouviu-se a voz do Juvencião gritando de dentro da patente.

- SE PRECISAREM, AINDA TEM UMA REBARBINHA!