Parceirada. Ligeiro, como visita de médico, estou fazendo esta postagem pois, daqui a minutos me bandeio para o Monumento aos Poetas Mortos, ali no Parque da Harmonia, em nossa capital, para participar do culto em homenagem aos vates que já partiram para as sesmarias do infinito. Tal culto faz parte das comemorações do 55º Rodeio de Poetas Crioluos, que começou ontem e termina com um almoço, agora ao meio dia.
Deixo à vocês um poema de Rui Cardoso Nunes, um dos Patronos Espirituais deste Rodeio que, com certeza, nos bombeia lá de riba.
Deixo à vocês um poema de Rui Cardoso Nunes, um dos Patronos Espirituais deste Rodeio que, com certeza, nos bombeia lá de riba.

Rui Cardoso Nunes
Vem dos campos, eu sei, das várzeas e quebradas,
o cheiro da fumaça agreste das queimadas
que, neste mês de agosto, eu sinto em toda parte!
Sinto que vem no ar o olor do fumo denso
da macega queimada, e – misterioso incenso -
penetra no meu ser, no Templo da minh'Arte,
despertando a saudade, acordando a lembrança
de dias sem iguais, de sonhos, de esperança:
todo o passado bom de uma vida distante.
Era lindo de ver-se, numa noite escura,
nas queimadas de campo, o drama, em miniatura,
do incêndio de Roma ou do Inferno de Dante!
Parecia se ver, ali nas labaredas,
aquele mesmo mar de horrendas lavas tredas
que um dia sepultou, de súbito, Herculano!
Parecia se ver, nas campinas serenas,
do drama de Pompéia as mais horrendas cenas,
no fogo enfurecido ao sopro do minuano!
Quantas vezes eu vi, na ondulação suave
do mar do campo, o fogo assim como uma nave
com velame de luz que a ventania enfuma!
E quando o guasca audaz, desesperadamente,
em vão deter tentava esse mar ignescente,
lembrava Camisão na gesta de Laguna!
Semelhando corcéis-fantasmas de farrapos,
co'o indômito furor dos gaúchos mais guapos,
iam chamas abrindo o cerco das flechilhas.
Era uma onda de fogo a coroar os montes,
tingindo de vermelho os céus nos horizontes,
qual boca de um vulcão no dorso das coxilhas!
Primeiro fora a neve amortalhando a serra,
agora o fogo intenso a tarjar minha terra
co'o luto regional das cinzas das queimadas!
Mas logo o verde novo há de cobrir os campos,
e pela várzea imensa, à noite, os pirilampos
hão de os astros plagiar no seio das canhadas.
Depois a primavera há de chegar sorrindo
no esplendor do sol de um dia claro e lindo,
de flores matizando a verde morraria;
rebanhos saltarão felizes pelo prado,
enquanto atira o sol – esse campeiro alado! -
o seu poncho de luz por sobre a serrania!
E lá numa fazenda ao sol da primavera
vai de flores vestir-se o pomar da tapera
onde outrora viveu feliz este índio-vago!
E pela madrugada a voz do passaredo
de novo trinará nos ramos do arvoredo,
enchendo de harmonia a solidão do pago!
De novo a noite, enquanto a lua cor de prata
as melenas de luz o seu luar desata,
derramará na fonte um pedaço de céu!
De novo se ouvira pelas noites serenas,
como alguém a carpir um acervo de penas,
a cascata distante a fazer escarcéu!
Mas jamais voltará, a não ser na lembrança,
esse tempo feliz em que eu era criança,
em que dessa fazenda era dono meu pai,
em que meu São Francisco era uma terra linda,
toda cheia de sol, como a revejo ainda
nesse tempo sem par que já tão longe vai!
Ah! Quem nunca escutou o soluçar das fontes,
e não viu a manhã rasgando os horizontes
com se fosse a luz de nossa Liberdade,
quem nunca teve assim, como eu, uma vivenda
que o tempo destruiu... um sonho... uma fazenda....
não poderá saber o que é uma saudade!
Quando aspiro esse olor que a macega trescala,
eu sinto uma saudade imensa que me fala
de tudo que deixei nos campos lá da serra!
A saudade, decerto, é a cinza da existência,
é o passado feliz vivido na querência,
é a lembrança de tudo! ... é a voz da minha terra!