RETRATO DA SEMANA

RETRATO DA SEMANA

sexta-feira, 10 de junho de 2011

GOSTAMOS DE QUEM FALA OPINANDO

Nosso blog tem uma certa predileção por aquelas matérias opinativas e, sempre que possível, postamos críticas construtivas sobres diversos temas da cultura continentina (só deixamos de publicar artigos anônimos ou com palavras chulas e ofensivas).

Desta forma, bombeando o blog Produto Cultural Gaúcho, nos deparamos com esta bela matéria do grande músico e excepcional poeta Guilherme Collares (ao centro da foto abaixo) e tomamos a liberdade de "pegá-la emprestada" para que outros blogueiros tenham oportunidade de ler.

MANIFESTO MUSICAL

Nos idos de 97 ou 98, enquanto eu ainda engatinhava no meio musical dos festivais sul-riograndenses, lembro bastante bem de chegar a diversas rodas de músicos, como ainda hoje, e verificar meus colegas conversando sobre as linhas melódicas de improvisação do Jazz ou sobre a harmonia da Bossa Nova ou do Ivan Lins, ou sobre o Paco de Lucia e o John McLaughlin. Lembro que, pela necessidade de socialização e espírito gregário inerente ao ser humano, que necessita ser aceito pelos membros de seu clã, também gastei horas conversando e discutindo esses assuntos. Porém, nunca me detive muito escutando essas músicas, pois escuto diariamente o folklore crioulo, entendendo-se isso como a música do gaúcho rio-platense em todas as suas manifestações e bandeiras, desde o sul do Paraguay, passando pela Argentina, Uruguay, Rio Grande do Sul e certas regiões do Chile: a música de nossos antepassados.

Sempre me coloquei junto ao meio e perante meus colegas, como um músico e compositor muito resumido (como realmente sou), em que a perseverança e o afinco prevalecem em muito sobre o talento. Porém, tenho consciência que mesmo sem entender-me como uma autoridade no assunto, conheço razoavelmente bem os ritmos e bases históricas da música e poesia de meus antepassados. Notem que nem de longe me coloco como um “dono-da-verdade”.

Refletindo ainda sobre o assunto: o meio poético-musical dos festivais do nosso estado é de cunho essencialmente folklorico (pelo menos isso é o que rezam os regulamentos de 99% desses eventos), porém, o que vemos em seus palcos, não corrobora com esse percentual. Digo isso com conhecimento de causa, pois iniciei nesse meio há mais de 20 anos.

Com isso, pergunto: seremos, alguns poucos mentecaptos, os errados em cultivar a música de nossos antepassados, aplicando a ela a originalidade de nossos dias e as influências a que somos submetidos pelo meio em que vivemos (expressão máxima do folklore)? Até quando seremos os “quadrados” ou “os de boina” ou os “das nazarenas, chiripás e tolderias”, como somos rotulados por alguns “experts” em música alienígena, e que muitas vezes nos julgam, mas que botam a panela na mesa graças ao dinheiro oferecido pelo meio musical onde deveria prevalecer a verdadeira cultura do gaúcho?

Graças a Deus, não sinto mais vergonha e nem me sinto rebaixado em uma roda de músicos quando discutem o último disco do Chico Buarque ou as harmonias do Ivan Lins. Com todo respeito a meus colegas, esses imensos artistas da música brasileira não tocam a Cifra, a Vidalita e o Estilo Pampeano. O Paco de Lucia não saberá tocar uma Milonga “desencontrada” como faziam o Cafrune ou o Yupanqui. E nem o Art Vam Damme ou o Dominguinhos vão tocar chamamé como o Raulito ou o Montiel. Muito menos a Maria Gadu e o Caetano saberão cantar como se deve uma “Chamarrita de Galpão” ou “Funeral de Coxilha”. Uma ressalva: sou fã e escuto o Chico Buarque, o Ivan Lins, o Paco, o Dominguinhos e o Art Vam Damme e adoro ver o Caetano e a Gadu cantando e tocando violão.

Não peço que os colegas não gostem ou neguem a música de artistas nacionais ou internacionais, quaisquer que sejam, mas que, pelo menos, reservem uma pequena parcela de seu tempo para entender e executar corretamente as bases rítmicas de seus próprios antepassados.

Termino esse desabafo com uma constatação: talvez seja por isso que nossa música não ultrapasse as fronteiras além de nossas próprias vaidades pessoais.

E, ao final desse manifesto, não dirigido especificamente a ninguém e ao mesmo tempo a todos, não me desculpo se ofendi alguém com minhas modestas opiniões. "Soy gaucho y canto opinando". A todos os que não gostam do que digo, por favor, dirijam-se ao final da extensa fila. E meus respeitos a todos os que, pelo menos, dignaram-se a refletir sobre o assunto.

Guilherme Collares
Bagé, 03 de junho de 2011
Postado por Produto Cultural Gaúcho