Na época dos campos sem alambrados, o gado alçado, ou seja, o gado chucro, era derrubado pelos homens campeiros a tiros de boleadeiras. Três pedras arredondadas unidas por tiras de couro cru. Além de arma fulminante nas guerras cisplatinas, as boleadeiras eram um instrumento de trabalho.
Passou o tempo e o laço surgiu como extensão do braço do gaúcho nas lides rurais. Segundo Nilson Mariano a origem do laço é remota. Foi manejado por guerreiros tártaros (Ásia, ao sul da Sibéria), conforme observações do viajante belga Fernand Verbiest (1623-1688). No Rio Grande do Sul, o uso da corda de couro trançado para laçar animais foi introduzido pelos índios guaranis, das missões jesuíticas. O laço surgiu em decorrência da necessidade de prear as manadas de gado – o pilar econômico da província, pois fornecia a carne como alimento e a courama para as habitações e os utensílios.
A prática continuada formou exímios laçadores, gaúchos intrépidos que não temiam touros ferozes de aspas pontudas, mesmo quando os cavalos se atolavam em tremedais.
O laço também foi usado em tempos de ira. Há relatos de gaúchos que teriam arremetido contra infantarias, laçando canhões fumarentos. John Luccock admirou-se, em 1809, de que os rio-grandenses eram mais hábeis no laço do que ao gatilho dos mosquetões. O historiador Alfredo Varela, no livro História da Grande Revolução, relatou a eficácia da laçada:
– Com ela não erram jamais a pontaria ou o golpe... é arrojada por um destes cavaleiros, à distância de 30 metros, com a velocidade da bala e com a mesma é seguro ou arrastado o objeto alcançado. O sargento Nóbrega foi desgraçada vítima desta arma.
Chamam-se de “guasqueiros” as pessoas especializadas na confecção do laço. Eles conhecem segredos atávicos que estão desaparecendo com o tempo. No momento de preparar o couro, observa detalhes como a influência da fase da lua e a uniformidade do pêlo do boi. Com paciência e capricho de ourives.
Lacerda, um guasqueiro de Bagé relata que: – Um laço feito por mim não pode espichar dois palmos. Não é como esses que vêm de Santa Catarina, mais baratos, mas feitos de qualquer jeito.
O laço que Lacerda faz não desfia e nem encaroça. O ritual começa pela escolha do animal. Lacerda prefere um shorthorn, raça britânica que foi introduzida no Estado por Bagé, em 1902. O boi deve ter cerca de quatro anos de idade e não pode estar rachando de gordo.
– O pêlo deve ser um só, mas não deve ser preto – ensina.
O couro é limpo (raspagem dos pêlos e retirada da graxa) manualmente, com faca, logo depois do abate, sem o uso de produtos químicos. É estendido no chão, bem esticado, sobre um estrado de madeira, com exatas 50 estacas. Nem mais, nem menos. O lado onde tinha a graxa vai para cima, exposto à intempérie, para que a “flor do couro” (onde havia pêlos) não seja danificada pelo sol ou pela chuva.
Depois de seco, o couro começa a ser retalhado. Lacerda e outros guasqueiros de lei aproveitam apenas os dois costilhares (as laterais), dispensando a barriga e o lombo do animal. Os tentos (tiras) são cortados em círculos, por mãos hábeis e seguras, na grossura de um lápis. Os dois tentos (um de cada costilhar) devem atingir 30 braças cada – cerca de 66 metros. Depois, os tentos ficam num molho de água (algo como 12 horas) e são esticados (aproximadamente três dias).
A tarefa de trançar o laço também requer cuidado e paciência. As duas longas tiras (tentos), de 30 braças cada, são emparelhadas, num instrumento rústico chamado “descarnadeira”. Elas ficam na mesma espessura, sem arestas. Então, são dobradas ao meio, transformando-se em quatro tentos, num total de 15 braças (33 metros) cada. Esse será o tamanho final. Sentado numa cadeira baixa, na garagem da casa onde mora, Lacerda começa a entrelaçar os quatro tentos. Utilizando espuma de sabão para deixar o couro maleável, ele tece pontos simétricos.
– Tem que gostar do que faz. Acho que é uma coisa que vem de família, o meu pai era guasqueiro – diz Lacerda, atento à próxima fase da lua minguante, a mais apropriada para selecionar o couro.
Historicamente, o Laço já estava se configurando como uma atividade esportiva, genuinamente rio-grandense, bem antes de 1951, ainda no século XIX, em Esmeralda, como aponta João Cezimbra Jacques, na obra Assuntos do Rio Grande do Sul, escrita em 1912. O autor lembra a criação do “Grêmio Gaúcho” — núcleo primeiro no culto sistematizado das tradições sul-rio-grandenses — fundado em 22 de abril de 1898, em Porto Alegre. Segundo Jaques, dentre os propósitos dessa sociedade estava praticar, ao lado dos jogos importados, exercícios de pontaria a pé ou a cavalo, guiados por um mestre, com o laço e com as boleadeiras, em alvos apropriados, citando como exemplo, os palanques, onde ganharia quem maior número de pontos tivesse por ter acertado mais vezes o alvo. Essa competição tinha a finalidade de relembrar as tradições do passado.
Nos dias de hoje, o que ocorre é um mercantilismo incontrolável nos rodeios ou torneios de laço.
Tempos atrás, laçava-se por prazer, por divertimento. Os Piquetes de Laçadores eram compostos entre amigos e familiares e os prêmios aos vencedores não passavam de um troféu. Hoje, qualquer evento de médio porte oferece carros e motos aos vencedores. Já existe os “Caçadores de Prêmios”, ou seja, aqueles laçadores que tem no laço uma profissão e só comparecem em torneios em que os prêmios sejam atrativos.
Com a evolução destes encontros campeiros para grandes rodeios internacionais, veio junto o mercantilismo e, hoje em dia, é comum bons laçadores venderem seu trabalho a quem pagar mais.
Isto é feito em troca de muito dinheiro ou mesmo de emprego aos laçadores em empresas dos donos dos Piquetes.
A época romântica dos domingos ensolarados com torneios e disputas regionais por amor a camiseta de sua entidade não existe mais. Quem pagar melhor, leva! Em suma,antes se laçava por cerveja, hoje se laça por carro.
Passou o tempo e o laço surgiu como extensão do braço do gaúcho nas lides rurais. Segundo Nilson Mariano a origem do laço é remota. Foi manejado por guerreiros tártaros (Ásia, ao sul da Sibéria), conforme observações do viajante belga Fernand Verbiest (1623-1688). No Rio Grande do Sul, o uso da corda de couro trançado para laçar animais foi introduzido pelos índios guaranis, das missões jesuíticas. O laço surgiu em decorrência da necessidade de prear as manadas de gado – o pilar econômico da província, pois fornecia a carne como alimento e a courama para as habitações e os utensílios.
A prática continuada formou exímios laçadores, gaúchos intrépidos que não temiam touros ferozes de aspas pontudas, mesmo quando os cavalos se atolavam em tremedais.
O laço também foi usado em tempos de ira. Há relatos de gaúchos que teriam arremetido contra infantarias, laçando canhões fumarentos. John Luccock admirou-se, em 1809, de que os rio-grandenses eram mais hábeis no laço do que ao gatilho dos mosquetões. O historiador Alfredo Varela, no livro História da Grande Revolução, relatou a eficácia da laçada:
– Com ela não erram jamais a pontaria ou o golpe... é arrojada por um destes cavaleiros, à distância de 30 metros, com a velocidade da bala e com a mesma é seguro ou arrastado o objeto alcançado. O sargento Nóbrega foi desgraçada vítima desta arma.
Chamam-se de “guasqueiros” as pessoas especializadas na confecção do laço. Eles conhecem segredos atávicos que estão desaparecendo com o tempo. No momento de preparar o couro, observa detalhes como a influência da fase da lua e a uniformidade do pêlo do boi. Com paciência e capricho de ourives.
Lacerda, um guasqueiro de Bagé relata que: – Um laço feito por mim não pode espichar dois palmos. Não é como esses que vêm de Santa Catarina, mais baratos, mas feitos de qualquer jeito.
O laço que Lacerda faz não desfia e nem encaroça. O ritual começa pela escolha do animal. Lacerda prefere um shorthorn, raça britânica que foi introduzida no Estado por Bagé, em 1902. O boi deve ter cerca de quatro anos de idade e não pode estar rachando de gordo.
– O pêlo deve ser um só, mas não deve ser preto – ensina.
O couro é limpo (raspagem dos pêlos e retirada da graxa) manualmente, com faca, logo depois do abate, sem o uso de produtos químicos. É estendido no chão, bem esticado, sobre um estrado de madeira, com exatas 50 estacas. Nem mais, nem menos. O lado onde tinha a graxa vai para cima, exposto à intempérie, para que a “flor do couro” (onde havia pêlos) não seja danificada pelo sol ou pela chuva.
Depois de seco, o couro começa a ser retalhado. Lacerda e outros guasqueiros de lei aproveitam apenas os dois costilhares (as laterais), dispensando a barriga e o lombo do animal. Os tentos (tiras) são cortados em círculos, por mãos hábeis e seguras, na grossura de um lápis. Os dois tentos (um de cada costilhar) devem atingir 30 braças cada – cerca de 66 metros. Depois, os tentos ficam num molho de água (algo como 12 horas) e são esticados (aproximadamente três dias).
A tarefa de trançar o laço também requer cuidado e paciência. As duas longas tiras (tentos), de 30 braças cada, são emparelhadas, num instrumento rústico chamado “descarnadeira”. Elas ficam na mesma espessura, sem arestas. Então, são dobradas ao meio, transformando-se em quatro tentos, num total de 15 braças (33 metros) cada. Esse será o tamanho final. Sentado numa cadeira baixa, na garagem da casa onde mora, Lacerda começa a entrelaçar os quatro tentos. Utilizando espuma de sabão para deixar o couro maleável, ele tece pontos simétricos.
– Tem que gostar do que faz. Acho que é uma coisa que vem de família, o meu pai era guasqueiro – diz Lacerda, atento à próxima fase da lua minguante, a mais apropriada para selecionar o couro.
Historicamente, o Laço já estava se configurando como uma atividade esportiva, genuinamente rio-grandense, bem antes de 1951, ainda no século XIX, em Esmeralda, como aponta João Cezimbra Jacques, na obra Assuntos do Rio Grande do Sul, escrita em 1912. O autor lembra a criação do “Grêmio Gaúcho” — núcleo primeiro no culto sistematizado das tradições sul-rio-grandenses — fundado em 22 de abril de 1898, em Porto Alegre. Segundo Jaques, dentre os propósitos dessa sociedade estava praticar, ao lado dos jogos importados, exercícios de pontaria a pé ou a cavalo, guiados por um mestre, com o laço e com as boleadeiras, em alvos apropriados, citando como exemplo, os palanques, onde ganharia quem maior número de pontos tivesse por ter acertado mais vezes o alvo. Essa competição tinha a finalidade de relembrar as tradições do passado.
Nos dias de hoje, o que ocorre é um mercantilismo incontrolável nos rodeios ou torneios de laço.
Tempos atrás, laçava-se por prazer, por divertimento. Os Piquetes de Laçadores eram compostos entre amigos e familiares e os prêmios aos vencedores não passavam de um troféu. Hoje, qualquer evento de médio porte oferece carros e motos aos vencedores. Já existe os “Caçadores de Prêmios”, ou seja, aqueles laçadores que tem no laço uma profissão e só comparecem em torneios em que os prêmios sejam atrativos.
Com a evolução destes encontros campeiros para grandes rodeios internacionais, veio junto o mercantilismo e, hoje em dia, é comum bons laçadores venderem seu trabalho a quem pagar mais.
Isto é feito em troca de muito dinheiro ou mesmo de emprego aos laçadores em empresas dos donos dos Piquetes.
A época romântica dos domingos ensolarados com torneios e disputas regionais por amor a camiseta de sua entidade não existe mais. Quem pagar melhor, leva! Em suma,antes se laçava por cerveja, hoje se laça por carro.
Na foto acima o saudoso Jari, lá de São Chico, um grande laçador e um dos melhores amigos que tive.