RETRATO DA SEMANA

RETRATO DA SEMANA

quinta-feira, 8 de julho de 2010

UM CHASQUE AO TIO PAULO

Neste dia 08 de julho em que reverenciamos o primeiro ano da morte do poeta serrano Rui Cardoso Nunes, queremos oferecer esta postagem a um outro grande gaúcho nascido naquelas paragens de verdes coxilhas dobradas.

Usando fragmentos do poema Queimadas, do saudoso Rui, saúdo, com admiração, Paulo de Almeida Vallim, o Tio Paulo, um dos maiores sapateadores que este Rio Grande pariu e, acima de tudo, uma das figuras humanas mais admiráveis que conheço e da qual tenho a honra de ser amigo.


Primeiro fora a neve amortalhando a serra,
agora o fogo intenso a tarjar minha terra
co'o luto regional das cinzas das queimadas!
Mas logo o verde novo há de cobrir os campos,
e pela várzea imensa, à noite, os pirilampos
hão de os astros plagiar no seio das canhadas.


Depois a primavera há de chegar sorrindo
no esplendor do sol de um dia claro e lindo,
de flores matizando a verde morraria;
rebanhos saltarão felizes pelo prado,
enquanto atira o sol – esse campeiro alado! -
o seu poncho de luz por sobre a serrania!



E lá numa fazenda ao sol da primavera
vai de flores vestir-se o pomar da tapera
onde outrora viveu feliz este índio-vago!
E pela madrugada a voz do passaredo
de novo trinará nos ramos do arvoredo,
enchendo de harmonia a solidão do pago!



De novo a noite, enquanto a lua cor de prata
as melenas de luz o seu luar desata,
derramará na fonte um pedaço de céu!
De novo se ouvira pelas noites serenas,
como alguém a carpir um acervo de penas,
a cascata distante a fazer escarcéu!



Mas jamais voltará, a não ser na lembrança,
esse tempo feliz em que eu era criança,
em que dessa fazenda era dono meu pai,
em que meu São Francisco era uma terra linda,
toda cheia de sol, como a revejo ainda
nesse tempo sem par que já tão longe vai!



Ah! Quem nunca escutou o soluçar das fontes,
e não viu a manhã rasgando os horizontes
com se fosse a luz de nossa Liberdade,
quem nunca teve assim, como eu, uma vivenda
que o tempo destruiu... um sonho... uma fazenda....
não poderá saber o que é uma saudade!



Quando aspiro esse olor que a macega trescala,
eu sinto uma saudade imensa que me fala
de tudo que deixei nos campos lá da serra!
A saudade, decerto, é a cinza da existência,
é o passado feliz vivido na querência,
é a lembrança de tudo! ... é a voz da minha terra!