Parceirada! Numa segunda-feira enferruscada, num 12 de abril em que no ano de 1867, morre na Estância São Gregório (Livramento) David Canabarro, chefe Farroupilha que firmou com Caxias o Tratado de Paz de Ponche Verde, nada melhor do que uma gravura do Nóe, artista plástico lá de São Lourenço do Sul e uma poesia do saudoso Antonio Augusto Ferreira.
Uma boa semana a todos.
Uma boa semana a todos.

Não, já não são de mim as arrancadas
que a um corpo velho só restou defeitos.
Os horizontes turvos do meu peito
já tiveram a cor das madrugadas.
Também fui moço
e parti a inventar um mundo novo,
o braço verde, o peito pelechado,
os olhos claros refletindo, alçados,
a cor do céu, boiando nas aguadas.
E eu era o capataz do meu destino...
Empurrava a pobreza nos encontros
varando a vida arisca feito um potro
levando sempre um ideal de tiro.
A lua cheia a gauderiar comigo
me alumiava os rumos da cruzada,
com meu sorriso de topar parada
e a voz de calmaria no perigo.
E eu tive a coragem na vigília
e tive por fortuna a juventude
e aqueles sonhos de quem tem saúde
no aconchego tranqüilo da família.
Nem o trabalho, nem a dura lida
me achou amargo, nem me fez cansado
e eu fui um pouco um tigre renegado
para buscar o brabo pão da vida.
As minhas cartas
não vieram marcadas para o jogo
mas eu peguei na brasa e comi fogo
e me lambi de suor para o consolo.
O meu caminho que encontrei tapado
eu fui abrindo a foice e a machado
e se algum dia eu levantei telhado
eu amassei com os pés o meu tijolo.
Os meus cavalos
fui eu próprio quem teve de domá-los
pois não se emprestam nem se dão cavalos
a quem não tem nem onde cair morto.
Mas a cada golpe,
a cada tirão que eu dava e recebia
o velho sonho se fortalecia
de um dia ter tropilha e criar potro.
Ah! Mocidade arisca que dispara!
Eu tinha muita força no tutano
e a coragem de armar meu próprio plano
sem o receio de quebrar a cara,
então derrubei mato, e na coivara
plantei a saracuá, milho de cova,
e a minha lama brotou na roça nova
que o meu próprio machado derrubara.
Ver a planta que nasce é ter um filho...
Eu, que plantara um sonho de fartura,
via nascer tão verde e tão segura
a minha ilusão com que derrubara o milho.
E plantar outra vez a terra amiga...
A mão da enxada é a mesma da guitarra,
o meu braço operário é de formiga
e a alma cantadeira é de cigarra.
E o sonho criador se fez um dia.
A vaca mansa, vinda por leiteira,
amanheceu num canto da mangueira
transparente de luz, lambendo a cria.
O sol é o mesmo, mas é outro o brilho,
a semente madura é fecundada,
e a jovem moça, eterna namorada,
incha a barriga para ter meu filho.
Como uma ave grande, sob as asas
chama e protege uma ninhada inteira
eu apontei para o céu outra cumeeira
e ergui mais um puxado para as casas.
E as nossas quatro mãos foram pequenas
pro cercado, o pomar, o pátio cheio,
e o céu amanhecia nas estrelas
dos olhares da prole que nos veio.
E vieram bonecas e petiços,
as tardes domingueiras se passando,
nestes tempos os verões andam voando
se a gurizada cresce em pleno viço.
Depois, são os colégios, a cidade,
há que tocar-se a vida para frente,
o pago, então, é um sonho decadente
sobrevivendo em brumas, na saudade.
Agora cada qual faz seu caminho.
Batem asas os filhos quando emplumam,
mais dia, menos dias, todos rumam
a construir seu próprio rancho e ninho.
De um sonho criador, quanto carinho,
quanta saudade boa pra viver
na sina de cumprir esse destino
de criar filhos pra depois perder.