Se fosse eu o inventor do calendário, por certo pularia de domingo para a terça, direto e sem escala pela segunda-feira. Como não sou esse gênio, vamos começar a semana com um pouco de bom humor, com um causo de galpão. E que o Grande Arquiteto nos acompanhe no resto do dia.
ENGATA AS “TRAÇÃO”
O gaúcho Adão Ondino de Moraes Bueno, crioulo lá de Bagé, Irmão de uma Ordem Maior, é destes tauras de lei que, na minha opinião, nasceram fora do tempo. Por seu estilo e estampa deveria ter brotado lá onde o Rio Grande começa. Nos campos sem alambrados, nos pealos de gado alçado a tiros de boleadeiras. Foi dançarino do Grupo de Arte Nativa Os Muuripás e andejou por este mundo velho de Deus sendo considerado um dos maiores sapateadores de chula e malambo do Rio Grande além de grande declamador e exímio executor de bombo legüero.
O Bueno, após abandonar as gauderiadas ao casar-se com a cambaraense Liane Borges, reapareceu lá por São Chico de Paula, numa kombi já querendo bater os canecos, como representante na região de uma indústria de máquinas agropecuárias. Entre uma churrasqueada e outra vendia seus produtos. Seu “ajudante” lá por Cambará do Sul era o saudoso Severiano Lima, o gaúcho mais autêntico que já conheci. Com ele não tinha gre-gre para dizer Gregório. Era o serrano típico que hoje não se vê mais... Para muitos era considerado um índio grosso mas, para mim, o Severiano Lima era a pureza em pessoa. Legítimo comunista ao prosear com alguém, pois tratava a todos, brancos, negros, velhos, crianças, de “Meu Querido”. Nunca ouvi o Severiano, velho monarca, chamar alguém pelo nome.
Era proprietário de uma Rural Willys tracionada que subia até em pinheiro e mesmo após muitos anos de uso o velho Severiano não sabia ou não acostumou-se a dar sinal de esquerda ou direita. Botava o braço para fora e apontava para onde ia dobrar.
Por ser conhecedor de todos os moradores daquela terra bonita onde o frio fez morada, ajudava o Bueno nas vendas.
Certa feita trataram uma visita num lindeiro de campo do Severiano. Antes de dar ôh de casa no vizinho agendado, comeram uma feijoada engrossada a caracu, pois o Severiano não tinha pressa para nada e vivente que chegasse no seu rancho não saía assim no mais. Depois de uma ambrosia para adoçar as tripas embarcaram na Kombi do Bueno para a empleitada da venda.
- Vamo por dentro do campo, meu querido, que nóis ataiemo um eito – bradou o Severiano.
O Bueno profetizou: - Mas de Kombi será...
- Vamo que tô acostumado. Conheço cada palmo do terreno – afirmou o velho gaúcho.
Ao chegarem numa baixada da coxilha deram de frente com um manancial. Uns dez metros de banhado correndo ao comprido do campo. O Adão Bueno parou a Kombi e falou, meio sestroso.
- Acho que não passa...
Severiano Lima, vaqueano de campo e mato insistia:
- Passa, meu querido! Meta que eu garanto!
O Bueno, respeitando a idade do amigo e para não contrariar o parceiro de lida lascou uma primeira, pisou fundo e... parou no meio do banhadal com a água batendo nas paletas da Kombi que patinava de sair fumaça.
Foi aí que o Severiano gritou:
- ENGATA AS TRAÇÃO!!!
- Não tem tração!!! – respondeu o Bueno, embaixo do mau tempo.
- ENTÃO NÃO PASSA MESMO... MEU QUERIDO!!!!
Causo recolhido e escrito por Léo Ribeiro