A réplica do lanchão Seival, um dos dois barcos utilizados por Garibaldi em 1839 (o outro era o Farroupilha) e que foram transportados do Rio Camaquã até a foz do Rio Tramandaí sobre rodados de carretas puxadas por 100 juntas de boi cada uma, cruzando por banhadais no forte do inverno para, então, ganharem o oceano rumo a Laguna no auxílio aos catarinenses para a formação da República Juliana, foi levada hoje, dia 12 de março, sobre uma carreta motorizada.
Leiam abaixo a reportagem completa extraída do Jornal ZH.
"O motor veio da
Itália"; "Só conhecia pelas histórias do colégio"; "Não
imaginava ser tão grande, vai encalhar". O burburinho entre dezenas de
moradores e visitantes de Arambaré, na Costa Doce do Estado, pôde ser ouvido
durante o horário do almoço deste sábado (12). O causador de tamanho interesse
tem nome e medidas bem definidas: Seival, 15 metros de comprimento, 12 de
altura e 183 anos de batismo. Cópia do barco usado por Giuseppe Garibaldi na
Revolução Farroupilha, a construção foi levada de carreta, em um comboio pela
BR-116 até a Lagoa dos Patos — ancorado no ponto em que seu original esteve em
1839.
— Maravilhoso. Vim
correndo pra cá assistir. É algo muito importante pra história da nossa região
— elogia a comerciante aposentada Silvia Nervo, 69 anos.
Neste 2022, a missão do
lanchão — como eram classificados no século 19 — não envolve tiros de canhão ou
embates entre as tropas. O objetivo é conscientizar o público para a educação
ambiental, além de preservar a história do período, salienta o professor Antônio
Carlos Rodrigues, 58 anos, idealizador do projeto.
— O visitante vai poder
ver o museu, que terá bala de canhão, luneta e âncora, tudo da época. Mais um
canhão réplica e toda explicação histórica — complementa.
Mastro e outros
instrumentos serão montados já dentro da água. A navegação, estimada em meses e
até anos, percorrerá municípios costeiros, como São Lourenço, Pelotas, Cristal,
Rio Grande e Laguna, destino das investidas de Garibaldi dois séculos atrás. Há
um sonho em vista: alcançar o mar, depois de um período de aperfeiçoamento
pelos rios, e chegar à Itália.
O transporte, desde
Camaquã, onde foi montado do zero, iniciou às 9h e foi encerrado — ou quase —
ao meio-dia. No início da tarde, ainda havia um trabalho de servidores da
prefeitura de Arambaré no terreno ribeirinho e na margem onde o Seival flutuará
— com a estiagem, o nível da Lagoa dos Patos está baixo, um risco de encalhe da
embarcação.
A prancha que suportava
a grande estrutura chamou atenção no caminho e motivou fotos e vídeos de quem
era surpreendido pela carreata escoltada na rodovia federal. Após 23
quilômetros na BR-116, as equipes acessaram uma estrada vicinal, cercada por
açudes e plantações, até a praia.
Durante a viagem, além
do professor-navegador, ocupou o leme seu imediato, Alan Floyd Gipsztejn, 38
anos.
— Meu pai injetava Pink
Floyd no nosso ouvido, por isso me deu esse segundo nome. E claro que eu gosto
também — explica o barbudo descabelado, figura condizente com o cenário da
arca.
A montagem de casco,
mastro, convés e outras estruturas exigiu cerca de R$ 500 mil de investimento.
Os valores foram buscados pela Associação Amigos do Seival, além do apoio de
comerciantes da região.
A propulsão não é a vela como a da epopeia dos farrapos: um motor foi instalado no porão, e teve parte de sua compra financiada por parentes de Giuseppe e Anita Garibaldi, moradores da Itália, terra natal do desbravador.
— É o tipo de
experiência sensorial, que resgata e mantém viva essa história — define Clayton
Dworzecki, secretário de Desenvolvimento, Inovação, Cultura e Turismo de
Camaquã.
O professor Rodrigues
começou o projeto em 2018, mas a construção teve início de fato no final de
2019. Atrasou durante a pandemia de coronavírus, parte pelo aumento nos custos,
outra parcela culpa da dificuldade em mão-de-obra náutica especializada.
Formado em Educação
Física, apaixonado por questões ligadas à preservação dos biomas, o responsável
pela réplica acompanhou cada detalhe do traslado. Com chapéu estilo Indiana Jones,
ouvia atentamente quem conhece o calado da barra de Arambaré. Preocupado com
sua obra, afastou os galhos das figueiras na avenida que acompanha a faixa de
areia. Como um atleta vencedor que desfila em um caminhão de bombeiros, acenava
de camarote.
Discutindo mais uma vez
as possibilidades de desembarque do Seival — ainda firme sobre a carreta —,
respirou fundo, mas deixou a alegria transparecer.
— Tá quase, só alguns
ajustes. Mas posso dizer: é uma sensação fantástica — admite.