RETRATO DA SEMANA

RETRATO DA SEMANA

domingo, 6 de março de 2022

CAUSO DE GALPÃO

 

O VELÓRIO DE JANGO

Bier

Por: Apparício Silva Rillo


"Alemão" Siqueira é um jovem popularíssimo em São Borja. Filho de família tradicional, nunca se deu bem com os estudos. Preferiu ser empreendedor de pequenos e imprevisíveis negócios: rifar algum presente que lhe dessem, passar jogo de bicho, vender bilhetes de loteria. Um virador, também chegado numa rodada de pife. 

No velório do ex-presidente João Goulart, na matriz de São Francisco de Borja - antes da missa de corpo presente - o Alemão andava inquieto. Indagava a todos quem era o João Vicente Goulart, que teria chegado de manhã para as últimas despedidas ao finado pai. Alguém, a titulo de brincadeira, apontou-lhe um repórter porto-alegrense, que estava postado a beira do caixão. 

Alemão Siqueira -  prevendo um futuro saque ao portador - não titubeou. Aproximou-se do repórter abrindo espaço entre o povo e o abraçou sem ao menos lhe pedir licença. Deitou-lhe a cabeça no ombro e, com sua voz fanhosa, entrecortada entre soluços e lágrimas (até certo ponto sinceras pela admiração que nutria por Jango), abriu o peito:

- Pobre do nosso Janguinho, João Vicente! Pobre do nosso presidentezinho que morreu tão moço e tão longe de São Borja! Pobre do nosso Brasil sem o paizinho dos infelizes! Ai, João Vicente, como tu deve tá sofrendo! Como deve tá doendo teu coração Joãovicentinho! Chora, João Vicente, chora no meu ombro!  

O repórter, entre encabulado e surpreendido com aquela demonstração de dor, deixou que o Alemão desabafasse. Compreendeu o engano de nosso herói e a seu ouvido murmurou: 

- Muito obrigado por tudo, meu amigo, mas eu não sou o João Vicente. Sou repórter e também espero por ele para uma rápida entrevista e algumas fotos.  

Alemão saltou de dentro dos sapatos. Secaram-lhe as lágrimas. A cara de dor vestiu-se de desapontamento. E foi com inflexões de raiva mal contida que se levantou novamente sua voz de fanha. 

- Mas por que tu não me disse logo que não era o João Vicente, fiadaputa? E eu gastando o coração como um desesperado! Não fosse aqui na igreja eu te cagava de laço!