Na foto, Miguel Marafiga Ayres, que vendeu o ônibus para meu pai
Bernardino Souza
Este ônibus marca
International modelo D-30 pertenceu ao meu pai Bernardino Souza. Nele, fazia a
"linha" Aratinga / São Francisco de Paula ali por meados da década de
60. Pelo seu formato, tinha o apelido de "Caixa de Fósforos". Quando
lotava, os homens subiam para o bagageiro no "andar" de cima. Ninguém
ficava na mão. Tal condução tinha horário para sair mas só Deus sabia quando
voltava. Diversas vezes vi meu pai frear o carro no meio da estrada e o pessoal
sair campo a fora atrás de uma mulita para a paçoca da noite.
Mas por que tal ônibus
me levou para a tradição?
Por dois motivos. O
primeiro porque o seu cobrador, o Evaldo, era gaiteiro e no longo percurso até
a sede do município ele sentava no banco do fundo e ia treinando seu acordeom,
ou seja, o povo viajava ao som de gaita. Eu, ali pelos meus sete, oito anos,
quando não tinha aula ia junto e sentava ao seu lado maravilhado com aquilo
tudo. Foi meu primeiro contato com a música gaúcha.
O outro e maior motivo
pelo qual o "Caixa de Fósforo" me conduziu rumo ao gauchismo é que,
aos domingos, boca da noite, meu pai que deixava o ônibus na frente de casa,
retirava sua bateria (eletricidade era coisa rara) e conectava ao velho rádio à
válvula, para ouvirmos o Grande Rodeio Coringa. Eu esperava ansiosamente por
aquela reunião de família para se deliciar com este que foi um dos mais
autênticos programas radiofônicos já realizados até hoje. Trovas, declamações,
músicas, sorteios, causos, tudo ao vivo e com plateia presente. Ali eu creio
que nasceu em mim a paixão por nossa cultura rio-grandense. Não raro os
vizinhos vinham escutar o programa em nossa casa.
Os maiores nomes da
música gaúcha como Teixeirinha e grandes trovadores como Gildo de Freitas
passaram por este programa que catapultou a musicalidade regional gaúcha. Sob a
condução de Darcy Fagundes e Luiz Menezes (anteriormente Paixão Côrtes e Dimas
Costa também apresentaram), nossos finais de domingo naqueles ermos do Rio
Grande do Sul ficavam alegres e muito mais gaúchos.
Ainda lembro até hoje a
abertura do programa cantada por Luiz Menezes: Rodeio... Rodeio da ilusão /
neste Rodeio apartei meu coração. / A Deus eu peço quando escuto este Rodeio /
que bote também um freio no meu xucro coração / pra que depois eu não me lembre
mais das prendas / nem dos olhos das morenas que a tempo a fora se vão.
E porque estou tocando
neste assunto neste momento? Porque a exatos 26 anos, isto é, num dia 05 de
maio do ano de 1994, meu pai partia para a querência eterna. Quanta saudade de
ti, meu velho!