O Periódico Zero Hora, no dia de hoje, em seu Caderno de Cultura, traz uma reportagem intitulada Uma Jornada Pampa Adentro, cuja leitura recomendo a todos. É sobre as tropeadas nos dias atuais. Lida que foi acompanhada por dois jornalistas que produziram um excelente texto pontilhado de lindas fotos. Abaixo, alguns tópicos do que foi colhido desta brilhante e ilustrativa matéria.
Uma jornada pampa adentro
Textos: MARCELO GONZATTO
Fotos: TADEU VILANI
Ofício que ajudou a moldar o Rio
Grande do Sul, a povoar e unir esse vasto pedaço de chão ao resto do país,
ainda vive. Fundadores de cidades, construtores de estradas, inspiração para
versos, canções e pinturas, os tropeiros seguem riscando o mapa gaúcho na
condução vagarosa dos rebanhos de gado. Não cruzam mais os campos em grande
número, como até meados do século passado, quando fervilhavam no pampa a
serviço de fazendeiros. Mas um punhado de herdeiros dessa lida resistiu à
concorrência moderna de trens e caminhões, e preserva um meio de vida a céu
aberto que faz parte da história e da cultura local.
Como carregar os animais sobre
rodas é dispendioso em trechos de estrada de chão e difícil acesso, onde o
frete chega a ser duas vezes mais caro do que no asfalto, os tropeiros do
século 21 sobrevivem tocando levas de gado nos rincões mais remotos a um preço
que chega a representar apenas um quarto do custo viário. Resistem ao tempo e
às inovações tecnológicas também por serem os únicos capazes, muitas vezes, de
vencer esses terrenos acidentados, lonjuras onde as BRs e as RSs não se
aprochegam ? muitas delas, implantadas sobre traçados que os pioneiros das
tropas ajudaram a sedimentar com a batida pachorrenta das patas de seus
cavalos, mulas e bois.
- Essa atividade foi fundamental
para o povoamento do Estado, já que os pousos de tropeiros deram origem a
cidades como Passo Fundo. E rodovias como a BR-101 surgiram de antigas rotas de
tropas que, por sua vez, seguiram trilhas indígenas - afirma o historiador
Moacyr Flores, autor do livro Tropeirismo no Brasil.
Nos dias atuais, esses homens
cumprem trajetos bem mais curtos do que quando percorriam a rota de Viamão ao
antigo entreposto comercial de Sorocaba (SP). Viajam dentro de um mesmo
município ou entre cidades próximas, mas se sujeitam às mesmas condições
inóspitas do passado: acordam antes do sol surgir, dormem ao relento, mesmo sob
frio e chuva, enrolados apenas no pelego e no pala em meio à imensidão escura
do pampa. Algumas vezes, levam o gado até um ponto acessível para o embarque em
caminhões. Em outras, cumprem todo o trajeto para levar os bichos de uma
estância a outro pasto ou dono.
Embora sejam cada vez mais raras
as tropeadas, em cidades como Santana do Livramento há dois ou três
profissionais renomados que perpetuam a atividade. Chamados de capatazes, os
comandantes das tropas são contratados pelos fazendeiros (ou
"patrões") e recrutam os demais auxiliares da empreitada, chamados
peões, sob compromisso de que nenhum bicho se perca pelo caminho. Isso exige um
profundo conhecimento do terreno e do manejo com animais para evitar ameaças
advindas da exaustão ou de rios capazes de arrastar um boi como se fosse um barquinho
de papel.
Para mostrar como vivem e
trabalham os tropeiros do terceiro milênio, ZH acompanhou uma viagem de mais de
80 quilômetros, realizada por um grupo de quatro gaúchos no interior de
Livramento. De norte a sul da vasta área rural, ao longo de quatro dias,
enfrentaram frio à noite e calor durante o dia, temporal dos brabos, rios
cheios sem ponte para atravessá-los e o mesmo sol inclemente que iluminou seus
antecessores.
Os números
São 4 tropeiros, 16 cavalos, 365
cabeças de gado e duas cachorras ovelheiras. Criador pagou R$ 2 mil pelo
transporte dos bois. Por via rodoviária, serviço teria custado R$ 8,4 mil