RETRATO DA SEMANA

RETRATO DA SEMANA
Aldo Chiappe

domingo, 23 de fevereiro de 2025


MATANDO A COBRA E MOSTRANDO O PORRETE

Ontem falamos sobre o dom de ser poeta que muitos pensam que carregam. Na mesma postagem citamos Aureliano de Figueiredo Pinto pelo seu aniversário de morte e como um exemplo de poeta de fundamento.   

Abaixo, uma resenha de um de seus poemas.

CHIMARRÃO DA MADRUGADA

Aureliano de Figueiredo Pinto


Gravura: Vasco Machado

Não sei por que nesta noite

o sono velho zebruno

ergueu a clina e se foi!

E eu que arrelie ou me zangue.

 

Então, da marquesa salto

e vou direto ao galpão:

bato tição com tição

e a labareda clareia

os caibros do galpão alto.

 

Já a cuia bem enxaguada,

corto um cigarro daqueles

de reacender vinte vezes

num trote de quatro léguas

de uma chasqueira troteada.

 

E, quando a chaleira chia,

principio um chimarrão,

mais verde e mais topetudo

do que um mate de barão.

 

Me estabeleço num banco

pra gozar gole e fumaça,

pitando um naco de branco.

E entre tragada e golito

saludo mui despacito

cada recuerdo que passa.

 

Solito, perto do fogo,

como um bugre imaginando,

escuto o tempo rodando

sem descobrir o seu jogo.

 

É um gosto olhar os brasidos

e os luxos das lavaredas

dançando rendas e sedas

para a ilusão dos sentidos.

E entre o amargo e a tragada

tranqueiam na madrugada

tantos recuerdos perdidos.

 

E o chimarrão macanudo

vai entrando pelo sangue!

Vai melhorando as macetas,

curando as juntas doridas

como água arisca de sanga

sobre loncas ressequidas.

 

Ah! Sangue velho... Descubro

porque hoje estás de vigília:

- Dois séculos de Fronteiras.

de madrugadas campeiras,

de velhas guardas guerreiras

bombeando pampa e coxilha!

 

Por isso é que hoje não dormes!

Ouviste a voz de ancestrais:

-"O chimarrão principia!

Alerta! O campo vigia!

Da meia-noite pra o dia

um taura não dorme mais...