MATANDO A COBRA E MOSTRANDO O PORRETE
Ontem falamos sobre o dom de ser poeta que muitos pensam que carregam. Na mesma postagem citamos Aureliano de Figueiredo Pinto pelo seu aniversário de morte e como um exemplo de poeta de fundamento.
Abaixo, uma resenha de um de seus poemas.
CHIMARRÃO DA MADRUGADA
Aureliano de Figueiredo Pinto
Não sei por que nesta
noite
o sono velho zebruno
ergueu a clina e se
foi!
E eu que arrelie ou me
zangue.
Então, da marquesa salto
e vou direto ao galpão:
bato tição com tição
e a labareda clareia
os caibros do galpão
alto.
Já a cuia bem
enxaguada,
corto um cigarro
daqueles
de reacender vinte
vezes
num trote de quatro
léguas
de uma chasqueira
troteada.
E, quando a chaleira
chia,
principio um chimarrão,
mais verde e mais
topetudo
do que um mate de
barão.
Me estabeleço num banco
pra gozar gole e
fumaça,
pitando um naco de
branco.
E entre tragada e
golito
saludo mui despacito
cada recuerdo que
passa.
Solito, perto do fogo,
como um bugre
imaginando,
escuto o tempo rodando
sem descobrir o seu
jogo.
É um gosto olhar os
brasidos
e os luxos das
lavaredas
dançando rendas e sedas
para a ilusão dos
sentidos.
E entre o amargo e a
tragada
tranqueiam na madrugada
tantos recuerdos
perdidos.
E o chimarrão macanudo
vai entrando pelo
sangue!
Vai melhorando as
macetas,
curando as juntas
doridas
como água arisca de
sanga
sobre loncas
ressequidas.
Ah! Sangue velho...
Descubro
porque hoje estás de
vigília:
- Dois séculos de
Fronteiras.
de madrugadas
campeiras,
de velhas guardas
guerreiras
bombeando pampa e
coxilha!
Por isso é que hoje não
dormes!
Ouviste a voz de
ancestrais:
-"O chimarrão
principia!
Alerta! O campo vigia!
Da meia-noite pra o dia
um taura não dorme
mais...