Nesta madrugada perdi o sono - não foi por causa do Grêmio - e fui buscar alguma leitura na internet. De cara me abriu uma entrevista com Nilson Mariano elaborada pelo do jornal O Sul, em março de 2020, aonde o jornalista relata sobre seu livro que conta a vida do degolador maragato Adão Latorre personagem de duas das mais sangrentas revoluções do Rio Grande do Sul, ou seja, a Revolução Federalista de 1893 e a Revolução de 1923.
É impossível falar nestas revoluções sem falar em degola. Também é impossível falar em
degola sem se lembrar do nome de Adão Latorre (1835-1923) esse negro pobre, descendente
de escravos que nasceu no Uruguai onde era conhecido por Adán (ou Adam) de la
Torre.
Desde pequeno, lutou e
trabalhou. Em 1851, aos 16 anos, alistou-se no exército uruguaio pelo Partido
Blanco. Serviu nas tropas dos caudilhos orientais Timóteo Aparício e Gumercindo e Aparício Saraiva (estes dois,
irmãos), destacando-se em táticas de guerrilha e cargas de cavalaria ligeira.
Paralelamente, participou dos levantes maragatos no Rio Grande do Sul.
Circulava à vontade pelos territórios da fronteira, onde os hábitos e a
geografia são os mesmos.
Interessante, nesta obra que vou tentar adquirir, é como se forjam situações e pessoas. Por exemplo. No combate do Rio Negro, hoje no município de Hulha Negra, Adão Latorre teria degolado "apenas" trinta pica-paus, e não os trezentos relatados em livros.
Vejam parte da entrevista:
Jornal O Sul – O que motivou
sua pesquisa sobre degola e o seu maior praticante, o coronel Adão Latorre?
Nilson Mariano – Sempre
me atraíram esses personagens malditos, como o Adão Latorre, relegados ao
esquecimento, varridos para debaixo do tapete da historiografia oficial. Penso
que não se deve abordar somente os grandes personagens – generais, comandantes
e chefes de nação –, os quais são homenageados com estátuas e viram nome de
ruas, praças, até municípios. A história dos marginalizados, os párias, também
precisa ser contada. São os que vão ao front, os que se lambuzam de sangue e executam
as tarefas sujas, ordenadas por superiores. E a trajetória de Latorre excede,
por ter protagonizado o maior massacre com o uso da degola em todos os combates
já travados no Rio Grande do Sul.
Jornal o Sul - Latorre,
que usava lenço vermelho no Rio Grande do Sul e branco no Uruguai, era uma
espécie de mercenário da época?
Nilson Mariano - Não
creio. Havia mercenários, valentões que lutavam por plata ou por promessa de
saque, mas não foi o caso de Latorre. Como todo menino pobre (ainda mais se
fosse negro ou mestiço), a sina era trabalhar como peão de estância ou se
alistar nos exércitos. Latorre serviu a blancos e maragatos porque gravitava em
torno dos caudilhos que comandavam os dois grupos. Maragatos e blancos se
pareciam, eram dirigidos por grandes proprietários de terras, a elite de então.
Tinham propósitos semelhantes, guardadas as proporções: insurgiam-se contra o
centralismo do governo colorado (Uruguai) e dos republicanos (os pica-paus
rio-grandenses, depois chimangos). Os colorados e os republicanos eram mais
urbanos, dispunham de líderes formados em universidades, principalmente advogados.
Esses consideravam que os estancieiros atrasavam o progresso com suas
revoluções a cavalo, sua compulsão por resolver diferenças em duelos com
facões. Sentindo-se ungidos para governarem, pretendiam se perpetuar no poder,
não hesitando em recorrer a fraudes eleitorais e pressões.
Adão Latorre progrediu
nos dois exércitos, de blancos e maragatos, por méritos próprios. Nenhum negro
alcançaria o coronelato, àquela época, inclusive comandando oficiais brancos,
se não tivesse qualidades de sobra.
Em tempos de paz, Latorre era capataz no conglomerado de estâncias do clã Tavares, em Bagé. Quando foi morto, em combate, deixou apenas uma chácara aos herdeiros.