RETRATO DA SEMANA

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domingo, 20 de fevereiro de 2022

CAUSO DE GALPÃO


Como hoje é domingo, temos um tempinho a mais para ler antes de preparar o assado, vamos a mais um "causo de galpão" desta feita recolhido pelo saudoso poeta Apparício Silva Rillo em seu livro Rapa de tacho, vol. 1. 


Bier

 

CASINHA NÃO É PRA CASA

Dorival Gonçalves era um velhito de média estatura. Chapéu de aba curta e copa levantada, botas escalavradas pelo serviço de mangueira e. sempre, seja inverno ou verão, um pala de cor parda a lhe baixar dos ombros.

Iniciando sua vida nos primeiros anos do século passado, tropeando mulas para São Paulo e Minas, Dorival Gonçalves chegou à condição de um dos maiores fazendeiros das missões, com extensões de campo que cotejavam, em termos de área, com a fazenda de João Goulart.

Riquíssimo, conservou sempre sua autenticidade de gaúcho. Jamais, que se saiba, vestiu calça corrida. Sua casa, na estância aonde morava, era despida de qualquer luxo. Falecido há alguns anos, deixou uma fazenda para cada filho - todos pessoas de alta expressão na sociedade são-borjense.

Havendo comprado a estância do Manuã, lindeira com seus campos, Dorival Gonçalves foi revisar a nova propriedade. Alambrados em ordem, boas mangueiras, galpões de lei. A casa, de construção nova, mereceu-lhe atenção especial. Revisou peça por peça, verificou a segurança das portas e janelas, agradou-se da cozinha - ampla, com dois fogões, um de ferro e outro de chapa sobre pedras. E, logo, o banheiro. Azulejos até meia parede, banheira, pia e vaso sanitário, água encanada para todos os aparelhos. 

Foi olhar e gritar para o capataz:

- Pega o jipe agora mesmo, vai na cidade e me traz três pedreiros. Tem duas horas para ir e voltar. Toca!

Os que o acompanhavam não fizeram comentários. Dorival Gonçalves não era homem de ser interpelado. 

Chegaram os pedreiros, com picaretas, martelões, picadores de rebocos, baldes e colheres. 

- As ordens, Seu Dorival. O que é que manda?

- Me ponham abaixo a frescurada toda deste tal de banheiro, piquem miudinho este pinicão de louça. Onde já se viu "casinha" dentro de casa, seu! Quem quiser cagar que vá nas bananeiras!