HOTEL DO GUEDES
Do livro Rapa de Tacho: Apparício Silva Rillo
Seu Guedes estava com seu
hotel, em São Borja, lotado. Noite chuvosa de inverno.
Pelo trem de Santa Maria
chegou um cliente novo sendo informado de que não havia vaga. Tanto o recém chegado
insistiu que Seu Guedes encontrou uma solução:
- Olhe, só há um jeito
nesta hora da noite. Tenho um hóspede dormindo num quarto de duas camas. O
homem é surdo e brabo. Não gosta de companhia, paga diária dobrada para não ser
incomodado. Mas, pra lhe servir, posso abrir uma exceção e ceder-lhe a cama
vaga. Mas, pelo amor de Deus, não faça barulho, não acenda a luz. Amanhã o
quarto desocupa e o senhor fica a vontade.
Na contingência o
cliente fez o que lhe foi solicitado. Na meia luz do quarto observou o
companheiro que dormia, silenciosamente, nem mesmo seus suspiros se escutavam.
deitado de costas tinha suas mãos cruzadas sobre o peito.
Ao amanhecer do outro
dia um rebuliço de gente em frente ao quarto. Seu Guedes bateu na porta e
chamou pelo "contingenciado".
- Levante rápido,
amigo, que temos que retirar seu companheiro.
Sentou-se na cama o
viajante. Ao seu lado, a menos de metro e meio, o companheiro de quarto: um
defunto!
Furioso o hóspede
enfiou as calças, abriu a porta e deu de cara com um caixão já preparado para
receber o finado, mulheres chorando... Interpelou o Seu Guedes:
- Mas então isso é
coisa que se faça? Me fazer dormir ao lado de um defunto?! Olhe, eu...
Seu Guedes, com a mesma
calma de sempre, acomodou a situação:
- Não se irrite. O
senhor dormiu o sono dos justos, descansou como um frade bem alimentado, e se
lhe tocou este quarto e esta cama ao lado do viajante que morreu do coração na
tardezita de ontem, foi por sua insistência.
- Mas....
- Não tem mais nem
menos. Se eu lhe dissesse que tinha um defunto no quarto o senhor ia acabar
dormindo num dos bancos da praça. E eu, fique o senhor sabendo, procuro ser
gentil com os meus hóspedes. Sai o defunto, fica o amigo. Tudo na santa paz.