RETRATO DA SEMANA

RETRATO DA SEMANA
Identidade Visual dos Festejos Farroupilha 2024 / Cintia Matte Ruschel

domingo, 17 de outubro de 2021

DOMINGO.... CAUSO DE GALPÃO.

 

ENGATA AS “TRAÇÃO”



O gaúcho Adão Ondino Bueno, crioulo lá de Bagé, fraterno amigo e irmão de uma Ordem Maior, é destes tauras de lei que, na minha opinião, nasceram fora do tempo. Por seu estilo e estampa deveria ter brotado lá onde o Rio Grande começa. Nos campos sem alambrados, nos pealos de gado alçado a tiros de boleadeiras. Foi dançarino do Grupo de Arte Nativa Os Muuripás e andejou por este mundo velho de Deus sendo considerado um dos maiores sapateadores de chula e malambo do Rio Grande além de declamador de primeira e exímio executor de bombo legüero.

O Bueno, após abandonar as gauderiadas ao casar-se com a cambaraense Liane Borges, reapareceu lá por São Chico de Paula numa kombi já querendo bater os canecos na função de representante comercial de uma indústria de máquinas agropecuárias. Entre uma churrasqueada e outra vendia seus produtos. Seu “ajudante” lá por Cambará do Sul era o saudoso Severiano Lima, o gaúcho mais autêntico que conheci. Com ele não tinha gre-gre para dizer Gregório. Era o serrano típico que hoje não se vê mais... Para muitos era considerado um índio grosso mas, para mim, o Severiano Lima era a pureza em pessoa. Ao prosear tratava a todos, brancos, negros, velhos, crianças, de “Meu Querido”. Nunca ouvi o Severiano, velho monarca, chamar alguém pelo nome.

Era proprietário de uma rural willys tracionada que subia até em pinheiro e mesmo após muitos anos guiando a condução o "Tio Severo" não acostumou-se a dar sinal de esquerda ou direita. Botava o braço para fora e apontava para onde ia dobrar.

Por ser conhecedor de todos os moradores daquela terra bonita onde o frio fez morada, ajudava o Bueno nas vendas.

Certa feita trataram uma visita num lindeiro de campo do Severiano. Antes de dar ôh de casa no vizinho agendado, comeram uma feijoada engrossada a caracu, pois o Severiano não tinha pressa para nada e vivente que chegasse no seu rancho não saía assim no mais. Depois de uma ambrosia para adoçar as tripas embarcaram na Kombi do Bueno para a empreitada da venda.

- Vamo por dentro do campo, meu querido, que nóis ataiemo um eito – bradou o Severiano.

O Bueno profetizou: - Mas de Kombi será...

- Vamo que tô acostumado. Conheço cada palmo do terreno – afirmou o velho gaúcho.

Ao chegarem numa baixada da coxilha deram de frente com um manancial. Uns dez metros de banhado correndo ao comprido do campo. O Adão Bueno parou a Kombi e falou, meio sestroso.

- Acho que não passa...

Severiano Lima, vaqueano de campo e mato insistia:

- Passa, meu querido! Meta que eu garanto!

O Bueno, respeitando a idade do amigo e para não contrariar o parceiro de lida lascou uma primeira, pisou fundo e... parou no meio do banhadal com a água batendo nas paletas da kombi que patinava de sair fumaça.

Foi aí que o Severiano gritou:

- ENGATA AS TRAÇÃO!!!

- Não tem tração!!! – respondeu o Bueno, embaixo do mau tempo.

- ENTÃO NÃO PASSA MESMO... MEU QUERIDO!!!!


Causo recolhido e escrito por Léo Ribeiro