domingo, 3 de outubro de 2021

CAUSO DE GALPÃO

 

Os leitores que nos acompanham sabem que este chasqueiro virtual andeja da poesia lírica e romântica aos causos de galpão com a mesma simplicidade e originalidade. São segmentos da nossa cultura. Uma pena que os contadores de causos seja uma "raça" em extinção. É bueno por demais, numa madrugada galponeira, ao pé de um fogo de chão, ouvir histórias e estórias de assombração, de fanfarronadas, ou mesmo do dia-a-dia da lida campeira. 

Aqui pelo blog temos a balda de, aos domingos, colocar alguma narrativa para alegrar um pouco nossos amigos e amigas distraindo-os das mazelas deste mundo velho.     



A REBARBINHA

Causo recolhido e adaptado por: Léo Ribeiro

O Juvencião, ou Juvêncio Alcides do Amaral, era um gaúcho pachola que morava na cabeceira da cancha de carreira que havia entre Cambará do Sul e o distrito de Celulose, ou Ouro Verde, ou Cascata, para os mais antigos.

Neste recanto terrunho, em tempos de antanho, aos domingos, o povo daquelas bandas se reunia para os mais trepidantes bater de patas entre os animais da região. Eram as concorridas carreiradas.

Os “carreiristas” se vinham dos quatro horizontes e, junto deles, a piazada, as prendas, a rapaziada de todo o porte, visto que estes encontros após a missa eram motivos de politicagens, de firmar namoros, de atar algum câmbio de campo e gado. 

Por causa daqueles 700 metros de trilhos paralelos muitos estancieiros empobreceram e uns que outros morreram nas peleias de fim-de-tarde.

Aproveitando a localização geográfica de seu rancho, Juvencio Alcides do Amaral montou um bolicho no costado da ráia e dali tirava quase todo seu sustento vendendo uma azulzinha que vinha de Maquiné e o pastel que a Chinoquinha, sua esposa, preparava e fritava, na hora, em banha de porco. Acho que vem dali o ditado “vendendo mais que pastel em cancha de carreira”.

O Juvencião era o tipo do gaúcho serrano (falo em tempo passado pois me contaram que nosso personagem em questão andava doente e teria falecido - carece de veracidade). Ao longo de seus 1,92 cm de altura parecia uma tronqueira de pau-ferro, altivo como uma araucária. Lenço maragato com nó republicano, bombacha de brim riscado que não tirava nem pra dormir, botinha lageana com barbicacho balanceando no cano “foles-de-gaita”, um chapéu de copa alta com abas viradas para cima e na cintura um cospe-fogo Schimit sempre ao alcance da mão, além da inseparável faca coqueiro que o Juvencião usava para preparar um pito, espalitar os dentes, limpar as unhas, cortar carnes... Como o próprio apelido revela, o Juvencião era um homem grande, forte e gordo. Um vivente que carecia de sustância para se manter.  Tipo saco de milho que não para de pé se não estiver bem cheio.  

Certa ocasião, após encerradas todas as pencas do domingo, na hora da borracheira, um dos gambás de plantão, o Florisberto Laurindo,  provocou a todos com uma aposta que só vendo para acreditar. Entre um elogio e outro ao Juvencião, bolicheiro capaz de aturar aquela indiada até altas horas, o "Flori" lascou o desafio: - ... e digo mais ...ic... o Juvencião..ic... xiru véio de alma grande...ic.. é capaz de estercar numa só vez mais que .. ic.. quatro quilos de bosta! E quem duvidar e tiver coragem .. ic ... que ajunte seus pilas e me afronte!

Foi um alvoroço, pelo inusitado. Não sei se pra levar adiante o assunto ou por pura bebedeira, as provocações de jogo e as apostas começaram ali mesmo.

O Juvencião, que a cada trago que servia tomava um gole e já estava tropeando ganso, pra lá e pra cá, de tão tonto, sentindo-se orgulhoso pelas deferências, comprou a briga pelo amigo afirmando:

- E bosteio mesmo!

A “carreira” foi atada para o domingo seguinte e o assunto tomou conta do rancherio. Nas budegas, nos galpões, nas prosas, era só o que se comentava.

Na manhã do dia aprazado tinha mais gente na cancha do que quando vieram os vacarianos correr com o cavalo Ventania. Como choveu no dia da carreira a gauchada do Porteira do Rio Grande nem voltou pra Vacaria. Ficaram uma semana farreando até o primeiro domingo de sol.

Mas voltemos ao causo...

O Juvencião, no dia aprazado, ali pelas 10 horas da manhã, começou a botar alimento no bucho. Doze ovos fritos, um pão de milho, um quilo e meio de torresmo, feijão mexido com batata doce .... e bóia e bóia.

O atrativo retirou o pessoal da beira da cancha que nem queria saber das pencas. As quatro da tarde, depois de arrematar com um pernil assado, meia panela de guisado que sobrou dos pastéis, uma moranga caramelada, um cuscus com leite para sentar as lombrigas e um "purgante" para limpar as tripas, o Juvencião anunciou:

- Tô pronto!

Em seguida providenciaram uma lata de banha vazia, daquelas de cinco quilos, e se dirigiram, em comitiva, pros rumos da “casinha”.

O Juvencião lá dentro, na maior calmaria do mundo e o povo esperando, num nervosismo só. Roendo unhas e suando frio. 

Após uns quarenta minutos, foram autorizados a recolher o material. Parecia uma procissão. O Florisberto Laurindo com a lata abarrotada de esterco no ombro, se veio em direção a balança de pesar porco e os curiosos na volta.

Foi aí que se ouviu a voz do Juvencião gritando de dentro da patente.

- SE PRECISAREM, AINDA TEM UMA REBARBINHA!