E AO TRADICIONALISMO?
Em meio à polêmica
quanto ao caráter racista ou não do Hino Riograndense, parei para refletir
acerca de um dos argumentos apresentados nesta terra de ninguém chamada rede
social: o de que existe uma campanha para desconstrução da figura do gaúcho,
sua tradição e seus símbolos.
Ora, tanto mais simples
se fosse verdade. A realidade dura é de que não existe um movimento organizado,
com líderes e cabeças pensantes, que acordam todos os dias planejando e
executando ações para enfraquecer e extirpar as raízes do Rio Grande do Sul e
sua essência campeira. A tradição gaúcha tem inimigos menos visíveis e sua
força, como tudo na vida, se deve a diversos fatores, internos e externos às
entidades formalmente constituídas para honrá-la e preservá-la.
A tradição é um valor
no mundo todo. Tanto é assim que algumas correntes atravessam milênios e
continentes. O budismo tem cinco mil anos, o cristianismo tem dois mil anos. E
alguns movimentos reconstrucionistas ganham força a cada dia. São exemplos o
helênico, de resgate dos valores e ritualísticas do povo grego, e o celta, dos
povos nórdicos.
O que faz essas
tradições se manterem atuais e tão vivas entre nós? Em primeiro lugar, a
posição de relevância que elas assumem na vida das pessoas e na sociedade. Em
segundo, sua capacidade de adaptação aos novos tempos, que sempre chegam. A
Igreja Católica não queima mais mulheres em praça pública e flexibilizou a
regra das cerimônias oficiadas apenas em latim; os povos antigos não fazem mais
sacrifícios de animais e humanos em honra aos seus deuses…
Estas tradições
acompanharam a evolução natural da sociedade, tal qual o faz a cultura gaúcha.
Hoje, para tomar meu chimarrão, aqueço a água em chaleira elétrica e uso cuia
personalizada com meu nome e sobrenome. Para ouvir meus artistas preferidos,
plugo a minha playlist do meu aplicativo preferido em qualquer aparelho que
reproduza som. Para saborear um churrasco, morando em São Paulo e sem
churrasqueira no apartamento, peço pelo celular.
Imagine se para amar e
cultuar a cultura gaúcha, cumprindo o ritual do chimarrão, eu precisasse
aquecer a água em chaleira de ferro sobre brasas. Ou se, para ouvir minhas
músicas preferidas, eu precisasse do artista presencialmente cantando e tocando
para mim?… Ou se, para comer um churrasco, eu precisasse antes ir no mato
buscar lenha e pedaços de madeira para fazer os espetos?
A cultura gaúcha se
adaptou, encanta onde é apresentada e está incrível e lindamente forte na mente
e coração dos gaúchos de nascimento e aquerenciados. Ouso afirmar que
praticamente toda população gaúcha tem pelo menos um ponto de contato com ela, seja
pela gastronomia, pela música, pela literatura, pelo hábito do chimarrão.
Integral ou parcialmente, é apreciada pelo gaúcho mais raiz até o mais
desapegado.
E o tradicionalismo?
Qual seu futuro?
A resposta se revela a
partir de duas perguntas:
1 – O tradicionalismo
gaúcho é relevante para as pessoas e sociedade?
2 – O tradicionalismo
gaúcho demonstra potencial e capacidade de adaptação para os novos tempos?
Podemos ter algumas
reflexões transversais:
– Seus valores e
práticas acompanham o caminhar evolutivo natural da vida?
– Seus princípios cabem
nas futuras gerações, de acordo com o cenário que conseguimos desenhar hoje
para o amanhã, analisando as tendências?
– Existe algo do qual o
tradicionalismo gaúcho deverá abrir mão, tal qual o fizeram tradições
milenarmente mais antigas, como pressuposto para sobrevivência?
Da minha parte, desejo
vida longa tanto à cultura quanto ao tradicionalismo gaúchos. Não acredito que
ele seja para todos, da mesma forma que não o é gostar de futebol, ou de moto, ou
de qualquer outro interesse em comum que forme grupos. Mas acredito que ele
deva ser forte e pujante para todos que dele gostarem e quiserem fazer parte.
Sandra Veroneze |
Editora DeGalpão