JUCA TIGRE
Por Nilo Dias
Entre os caudilhos maragatos de 1893,
não se pode esquecer o coronel José Serafim de Castilhos, conhecido na paz e na
guerra pelo apelido de "Juca Tigre". Era um gaúcho de São Gabriel,
violento na ação, mas acessível aos sentimentos de generosidade.
"José Serafim de Castilhos, nasceu
a 24 de maio de 1844, na cidade de São Gabriel, um dos mais tradicionais
municípios da Campanha rio-grandense. Seus pais, porém, eram ainda mais
fronteiriços, sendo de origem da cidade de Uruguaiana. Constantino e Francisca
Xavier de Castilhos parecem ter vivido a maturidade da relação por volta dos
meados do século, assim como viveram as consequências imediatas do ciclo
Farroupilha.
Conforme artigo publicado de uma de suas
filhas, a alcunha de "Juca Tigre" teria sido recebida por José
Serafim de Castilhos ainda no colégio da cidade quando cursava as primeiras
letras. Isso afasta qualquer analogia do apelido com os acontecimentos de que
foi protagonista no desenrolar da Revolução Federalista.
Apesar da quase nula documentação a
respeito da infância dos caudilhos maragatos, parece não haver dúvidas quanto
ao aspecto invariável da vida de infância numa sociedade pastoril. A geração em
que nasceu "Juca Tigre", cresceu no limbo da tradição oral dos fatos
e "causos" da Guerra dos Farrapos e das lutas com os platinos.
Filho de proprietários rurais, com
terras e gado na planicie gabrielense, a infância de "Juca Tigre"
equivale a linhagem dos homens descendentes da elite pastoril rio-grandense.
Recebia as primeiras letras em casa e ingressava em colégio na cidade para
seguir estudos mais avançados, conforme o grau de riqueza da família.
O mundo do campo parece ter
impressionado mais "Juca Tigre" do que a novidade das palavras, pois
não seguiu estudos posteriores e manteve residência na cidade em que nasceu.
Dali sairia apenas para os enfrentamentos políticos e militares nas campanhas
da guerra de 1893.
Recolhendo o que ficou de sua forma
física e de sua personalidade na tradição oral, era robusto, troncudo, de
estatura acima da mediana, usava barba inteira, à moda da Monarquia. Dotado de
energia invulgar, era violento na ação, mas acessível aos sentimentos de
generosidade.
Ainda durante o regime monarquico, José
Serafim de Castilhos ocupou o cargo de Delegado de Polícia em São Gabriel. A
ocupação do cargo era decorrente de sua ligação com o Partido Liberal, de
Silveira Martins, então no poder provincial e quase hegemônico na campanha
rio-grandense na década de 1880.
O Delegado de Polícia era o poder de
fato no município durante a Monarquia. E continuou a sê-lo na República Velha,
agora ao lado dos intendentes nomeados.
Os acontecimentos de novembro de 1881
envolvendo o golpe de Deodoro, a reação florianista e sua consequente renuncia
repercutiram em São Gabriel. O primeiro intendente do município, Francisco
Gonçalves da Chagas foi deposto do cargo, sendo substituído por uma junta
municipal, que tinha como chefe o coronel José Serafim de Castilhos.
Em junho de 1892, com o retorno do
castilhismo ao poder estadual, os seus prosélitos gabrielenses reintegraram na
chefia municipal o antigo intendente, depondo "Juca Tigre" que
exerceu até então aquela função.
Este fato fez com que o caudilho se
retirasse para Bagé, onde Joca Tavares pensava em resistir e estabelecer um
governo federalista. No prelúdio da guerra civil, a região de Bagé tornou-se a
"Meca do federalismo maragato" e a reação contra o castilhismo
pareceu ser uma medição de forças para os gasparistas diante do fracasso do
"governicho", período em que os dissidentes republicanos estiveram no
poder, entre novembro de 1891 a junho de 1892.
Em março de 1892, no Congresso de Bagé
quando da aglutinação de antigos líberais e conservadores em torno do Partido
Federalista, sob o comando político de Silveira Martins, José Serafim de
Castilhos foi signatário do programa e das deliberações que escolheram o
general Joca Tavares para a candidatura de Presidente do Estado.
Entretanto o segundo semestre de 1892
afigurou-se como o mais radical da política rio-grandense desde os tempos
coloniais. Perseguições políticas e arregimentação de forças civis e policiais
passaram a acontecer em todas as localidades importantes do Estado.
"Juca Tigre" saiu a campo com
400 acaudilhados no início de 1893, armados e municiados por conta dele mesmo,
deixando ordens na sua estância para "auxiliar todo aquele que fosse para
as fileiras maragatas". Daí por diante fez praticamente toda a campanha
revolucionária de 93-95, tornando-se o principal signatário dos principais
manifestos do chamado Exército Libertador em marcha.
É dentro dessas circunstâncias que
"Juca Tigre" deve ser visto como um microcosmo de seu estrato social
e de seus limites ideológicos: a oligarquia pastoril e o liberalismo
majoritariamente gasparista. "Juca Tigre" participou como um dos
chefes do Exército Libertador até o Paraná, seguindo a liderança militar de
Gumercindo Saraiva.
Quanto ao ingresso de "Juca Tigre"
na insurreição com a finalidade de combater o castilhismo no poder no início de
1893:
"De
15 a 22 de fevereiro transpuseram a fronteira da República Oriental para o Rio
Grande, mais ou menos numerosos. Na noite de 15 para 16 passaram o coronel
Albuquerque Pina, José Serafim de Castilhos e outros chefes com um efetivo de
800 homens, pessimamente armados e foram acampar a quatro léguas de
Santana".
Do combate no Mato Castelhano, próximo a
Passo Fundo, em 16 de outubro de 1893, quando registrou-se a vitória em tom
ufanista, discurso predileto dos românticos:
"JucaTigre",
na vanguarda, brigou com Chachá Pereira. Uma hora depois recebeu-se comunicação
de "Juca Tigre", avisandoque o inimigo tinha sido batido tendo
abandonado tudo: carretas, munições, objetos de uso da família, jóias e que
seguia em perseguição".
No inicio do mês seguinte a estratégia
foi atravessar o rio Pelotas e levar a guerra a outra unidade da Federação. A
passagem por Santa Catarina foi considerada triunfal e, ao mesmo tempo,
inusitada aos habitante locais, no final de novembro de 1893:"Chegaram sob
o comando de José Serafim Castilhos, apelidado "Juca Tigre", perto de
300 gaúchos. Constituíam a vanguarda do general Gumercindo Saraiva. Durante a
noite acamparam no cais do porto e houve então verdadeira migração do povo para
ver os bravos filhos dos pampas, vestidos com bombachas e palas, em meio de
mulheres e crianças, que mais parecia um acampamento de ciganos".
Embebidos de triunfalismo, as tropas
federalistas rumaram ao Paraná, onde o Governo da União preparava a
resistência. Em janeiro de 1894, começava o dramático combate pela praça da
Lapa, no Paraná. As forças de "Juca Tigre" ajudaram a tomar a Lapa. A
rendição foi uma epopeia de heroísmo e morte.
O cerco da Lapa recebeu inúmeros relatos
e é um dos episódios mais estudados do Paraná. Destaca-se a ação de "Juca
Tigre":"Dizia-se que "Juca Tigre" fizera a volta e de São
Bento atacaria a coluna legal pela retaguarda, enquanto Piragibe e Fulião, pela
frente, fariam ataque frontal. (...) Era projeto dos rebeldes fazer seguir
"Juca Tigre" para a Lapa por São Bento".
Do combate homem a homem pela tomada da
Lapa: "A defesa era tenaz (...) Nada detinha, todavia, a fúria dos
atacantes, que pareciam dispostos a vencer ou a morrer. Os castelhanos de
Aparício Saraiva urravam de mistura com os gaúchos de "Juca Tigre"
(...) Com o tiroteio, tudo formando uma troada infernal.
Depois de ocuparem Curitiba, os
revoltosos tiveram a pretensão e a utopia de tomar São Paulo e desbancar o
florianismo da República:
"Incorporado então os corpos de Cavalaria
rio-grandense dos coronéis José Serafim de Castilhos e Torquato Severo (...)
para, continuando sua marcha, invadir o Estado de São Paulo, em cujas
fronteiras chegaram a se ouvir as descargas e o tropel das avançadas
federalistas ao mando de Piragibe e "Juca Tigre". Mas a resistência
florianista fez com que o exercito federalista retrocedesse para o Sul.
Quando tentavam passar o rio em caminho
de Palmas, as forças de "Juca Tigre" foram batidas pelo inimigo. O
que se seguiu foi o mais verossímil uma vez que os gaúchos de "Juca
Tigre", perseguidos pelo inimigo, embrenharam-se em terrenos bem
diferentes da planicie da campanha.
Avançando sempre para Oeste, "Juca
Tigre" seguiu o curso do rio Iguassu numa retirada sem parada definitiva,
a não ser a linha da fronteira com a Argentina. Lutando com inúmeras
dificuldades, perdendo homens e armamentos, assim desapareceu a coluna do
coronel "Juca Tigre", um desastre para o Exército de Gumercindo
Saraiva.
O revés da coluna de "Juca
Tigre" foi, juntamente com a morte de Gumercindo Saraiva no Corovi, em
agosto de 1894, uma marca indelével do desmonte do aparato militar maragato
frente aos dois sustentadores da República militar: o florianismo e o
castilhismo.
"Juca Tigre" abandonou a
guerra civil como um dos principáis lideres maragatos. Ele não deixou nada
escrito sobre sua visão do conflito e de seu ostracismo político. Nesse clima
"Juca Tigre" retornou ao local que havia nascido e saído para os
conflitos de 93.
Reencontrou
a mulher, Amabília Porto de Castilhos, que tinha ficado administrando os bens
da família juntamente com os cinco filhos do casal. A partir de seu retorno não
teve praticamente nada de eventos de conotação pública na política, de que ele
tenha participado. A não ser o Congresso Federalista de 1896, em Porto Alegre,
do qual participaram importantes caudilhos e chefes políticos ligados a
Silveira Martins.
Nesse conclave, os maragatos resolveram
adotar a defesa do Parlamentarismo na República, em oposição ao
Presidencialismo que era uma bandeira histórica do castilhismo.
Protegido nas muralhas da vida privada,
encontrava-se ainda a remanescência de uma atitude "guerreira" de
"Juca Tigre" nos contornos do telúrico cotidiano do lazer do homem de
campanha.
Este caso foi contado pelo poeta
gabrielense Valdomiro Rocha, filho de Camilo Souza, amigo e companheiro de
"Juca Tigre". Quase no fim da vida, o coronel, ao assistir uma
carreira de cancha reta no interior de São Gabriel, foi provocado por um
castelhano que brigara no local:
"Instantes decorridos, o castelhano se
achava na frente de ambos, atrevido, manejando a adaga suja de sangue:
"En
esta tierra no hay hombre! Ni el famoso coronel "Tigre". El fué
"tigre" em su tiempo, hoy non pasa duna oveja". Disse e caiu. Um
tijolaço, jogado por garra poderosa, lhe acertou em cheio a face esquerda,
pondo-o por terra. "Juca Tigre", enquanto fingia não tomar
conhecimento do valentão, com o braço oculto atrás de Camilo Souza, descolou um
tijolo da parede para usá-lo no momento oportuno".
"Juca
Tigre" morreu em São Gabriel no dia 1 de abril de 1903, dentro de um
ostracismo político. Mas passados muitos anos de sua morte, tem seu nome
ligados aos caudilhos que lutaram por conta e risco, na busca de seus
ideais". (Fonte: Livro "Juca Tigre e o caudilhismo maragato - Poder,
Tempo e Memória", de autoria do escritor Elio Chaves Flores)"
Uma pequena rua atravessada leva seu
nome na cidade de São Gabriel.